quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Desmistificando o deficit da Previdência

A Reforma da Previdência desmistifica pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita, mostra as mentiras que o governo contam e que mídia inescrupulosa e que vive das propagandas do governo esconde de você cidadão, veja abaixo:

terça-feira, 29 de novembro de 2011

DEBOCHE DOS JUIZES

Juízes do Trabalho vão fazer greve de um dia. Francamente não é possível que quem ganha bem nesse pais (cerca de R$ 20.000,00 bruto), queira debochar de quem ganha pouco, com que moral depois vão julgar a greve dos outros???

O mínimo que se pode esperar é que o CNJ ou as corregedorias (sonho de uma noite de verão), abram sindicâncias e punam exemplarmente esses debochados com a mais pena do judiciário (que é um deboche também) ou seja a aposentadoria compulsória, afff, por isso fazem greve, a pena é um benefício.

Sacanagem, esse é o pais da piada pronta!!! Na boa se ser juiz tá tão ruim assim, faço um desafio, peçam demissão e venham para o outro lado da mesa, vem advogar vem, vem encarar as decisões como as que eles tomam, vem sobreviver da advocacia, encarar o dia a dia de um foro, de um tribunal do outro lado do balcão, ou quem sabe, façam um concurso para oficial da brigada militar (precisa de diploma de direito), ou quem sabe de professor, e tentem manter os seus vectras, merivas, azerras, e outros com esses salários!!!

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

DEFLORESTAMENTO

INTRODUÇÃO


O desflorestamento no Brasil remonta aos primeiros tempos da colonização em que a exploração madeireira foi a primeira. Sem nenhum critério ou pensamento de futuro se devastou, por primeiro, a mata-atlântica, explorando principalmente o “Pau-brasil”, árvore muito usada na Europa para extração de corantes dos quais se faziam as tintas, e outras madeiras nobres.
A derrubada da mata abria clareiras e nessas foi introduzida a criação de gado, que como demonstrou-se rentável acabou por si de incentivar a derrubada de mais áreas de florestas para mais criação, com isso aumentando o desmatamento. Como a mata que havia era muita o colonizador a explorou no imaginário de que seria interminável, dai ter sido feita a exploração sem qualquer manejo ou sustentabilidade, alias palavras modernas e surgidas da necessidade de preservar e evitar a destruição do que nos resta de fauna e flora.
Por essa época a agricultura ainda era coisa de indígenas, e mais adiante de quilombolas e de subsistência, a forma tradicional então de agricultura era a coivara, ou seja abria-se uma clareira na mata, queima-se esse lugar e se plantava por dois ou três anos e depois abandonava-se esse local fazendo nova plantação em outro, no local anterior a natureza se recompunha surgindo as capoeiras que forma natural de recomposição da natureza.
Essa agricultura um tanto primitiva permitia a recomposição e era sustentável, a grande devastação que se segue, primeiro em cima da Mata-atlantica depois pampa, serrado, amazônia se dá com a agricultura moderna, de latifúndios, de monocultura, ou seja o agronegócio.
Primeira com a cana no nordeste, que foi outro ponto de substituição da Mata-atlantica original por cultura alienígena e voltada ao lucro e plantação em larga escala, depois com o açúcar e posteriormente o café em vastas regiões de São Paulo e Rio de Janeiro, aonde se desmata para abrir espaço as plantações de café que vai ser a principal riquesa brasileira e ditar a política nacional até a década de 30, tudo feito com fortes incentivos dos governos brasileiros, sejam na época da colônia, do império ou da República (o Governo de Washington Luiz em 1929 chegou a comprar café para colocar no lugar do carvão nas locomotivas para impedir a quebra total da economia nacional depois do "crasch" da Bolsa de Nova York).
A perda da floresta é irreversível, ao desmatar se perdem mais que as arvores se perde todo uma parte de bioma composto de fauna, flora e micro-organismos que não mais irão se recompor, plantar árvores simplesmente não resolve, pois o plantio de árvores é apenas mais uma plantação, o resto está irremediavelmente perdido, não se tem como recompor, esse é o prejuízo que a chamada agropecuária moderna traz, primeiro com café e cana, e hoje com cana, soja (ambas, inclusive sobre áreas antes plantadas com café), algodão, arroz, criação de gado (extensiva), etc, traz.
Os números são alarmantes, ainda que esteja em declínio o desmatamento, esse declínio é em termos de estabilização do quanto se desmata, ou seja é uma estabilização em termo de “voo de cruzeiro”, não estamos desmatando mais, mas bastante, ou seja de um ano para o outro não se desmata em termos percentuais mais do que nos anos anteriores, mas a perda de áreas continua, assim por exemplo dados do IMAZOM (Instituto do Homem e Meio-Ambiente do Amazonas) de 2010 demonstram que a perda florestas na amazônia em dezembro de 2010 estava 994% maior do que em dezembro de 2009.
Dados do Ministério do Meio-Ambiente mostram que entre 1991 e 2009 a Amazônia perdeu cerca de 14,5% da sua cobertura florestal orignal, ou seja algo em torno de 800 mil km². Mas não ficamos na Amazônia apenas, o Centro-Oeste (serrado) perdeu cerca de 7milhoes de acres de sua cobertura original, o bioma do Pampa perdeu 54% da sua cobertura.
Que futuro teremos, o que ocorrerá amanhã, qual o caminho, esse o debate do presente trabalho.
 DESFLORESTAMENTO – CAUSAS, CONSEQÜENCIAS
1 – Conceitos: antes de tudo necessário delimitar alguns conceitos que se irão tratar no presente trabalho, pois são fundamentais ao debate, assim deve-se definir sobre o quê e como se fala, portanto função socioambiental da propriedade privada, socioambientalismo, agronegócio, florestas,  agrobiodiversidade, o que se crê sobre esses, o que se pensa, ainda que de forma pontual deve ser delineado.
1.1 – Função socioambiental da propriedade rural. Por longos anos as limitações ao direito de propriedade eram ditadas por aqueles que limitavam essa ao uso nocivo, ou seja, a propriedade não poderia ser usada além do limite de causar prejuízo à terceiro, ideia essa de inspiração liberal posta no Código Napoleônico e que o Brasil seguiu incontinenti; em 1967 a Constituição adotou a função social da propriedade como princípio da ordem econômica.
Mas a mudança radical vem em 1988 com a inscrição da função social da propriedade no capítulo dos direitos fundamentais, e em especial com o artigo 186 da Constituição que descreve a função socioambiental da propriedade rural.
Assim para que a propriedade rural exerça a sua função socioambiental ela deve aproveitar nacionalmente o solo, utilizar a forma adequada os recursos naturais assim como buscar a preservação do mesmo, observar as leis trabalhistas e ter em conta sempre o bem estar dos proprietários e trabalhadores.
O novo Código Civil em seu artigo 1.228 traz para dentro do direito privado o conceito constitucional ao enunciar que o “... direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, à flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.
Ou seja, é cristalino que a propriedade hoje tem uma função vital na sociedade sendo muito mais do que satisfazer o proprietário.
 1.2 – Socioambientalismo. Aqui definido como um sistema o qual une o social ao ambiental, ou seja, esse novo sistema constitucional prega que a sociedade seja harmoniosamente gerida pelo critério social e ambiental, onde a propriedade, a ação do homem, a lei, leve em conta o equilíbrio desses dois critérios.
O socioambientalismo brasileiro não emerge do texto constitucional por um capítulo específico e nem por meio de diversos títulos isolados, mas de uma leitura sistêmica da Constituição, aonde nenhum direito é solto um do outro, mas dentro de um critério solidário.
“A orientação socioambiental presente na Constituição não se revela pela leitura fragmentada e comportamentalizada dos dispositivos referentes à cultura, ao meio-ambiente, aos povos indígenas e quilombolas e à função socioambiental da propriedade, e sim por uma leitura sistêmica e integrada do todo: o que alguns chamariam de uma leitura holística”, que não percebe as partes, mas a unidade axiológico-normativa presente no texto constitucional”. (SANTILLI, Juliana, p. 91/92).
Aqui é necessário afirmar como afirma o Dr. Eduardo Pigaretti de que “... este Derecho Ambiental empiece a disolverse en el cuerpo total del Derecho, invada al Derecho Rural, invada aos demás derechos, al Penal.” (p. 78), ou seja, o direito socioambiental tende a ser um sistema a permear não somente toda a Carta Magna estabelecendo uma constituição socioambiental, mas também todo o mundo jurídico.
1.3 – Agronegócio. O conceito de agronegócio é um conceito metajurídico, pois implica não só o conhecimento, mas envolve outras áreas das ciências, sejam jurídicas, econômicas, contábeis.
Para essa definição usamos o conceito que é dado pelo Professor Antonio José de Mattos Neto em sua obra Estado de Direito Agroambiental Brasileiro:
“Assim, o agronegócio pode ser definido como um conjunto de operações de produção, processamento, industrialização, armazenamento, distribuição e comercialização de produtos agropecuários e agroflorestais, incluindo serviços de apoio a atingir a atividade-fim e objetivando suprir o mercado consumidor”. (op. Cit. Págs. 116/117).
1.4 – Florestas. A lei brasileira tem definições de florestas que variam de acordo com o gosto do legislador, assim, por exemplo, a “Lei de Gestão de Florestas Públicas” (n.º 11.284/2006) define essas como sendo “florestas naturais ou plantadas, localizadas nos diferentes biomas brasileiros pertencentes à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, ou, ainda, às entidades da administração indireta”. (artigo 3, inciso I).
Já o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul, no seu artigo 14, inciso XXV, define florestas como sendo “... associação de espécies vegetais arbóreas nos diversos estágios sucessionais, onde coexistem outras espécies da flora e da fauna, que variam em função das condições climáticas e ecológicas”.
O mesmo código supracitado que é exemplo para todo o país, faz, ainda, algumas definições básicas e complementares a esse conceito, e define Mata Atlântica (inciso XXIX..., formações florestais e ecossistemas associados inseridos no domínio Mata Atlântica: Floresta Ombrófila Densa ou Mista, Floresta Estacional Semidecidual, Florestal Decidual, restingas e campos de altitudes), vegetação (inciso LVI..., flora característica de uma região), banhados (inciso XIV..., extensões de terra normalmente saturadas de água onde se desenvolvem fauna e flora típicas), assim como define solo, solo agrícola, recuperação de solo, etc., ou seja, uma legislação conceitual.
Além das definições o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul determina proteção especial a Flora e a Vegetação do Estado, definindo precisamente as áreas chamadas de preservação permanente, tais como as que existem ao longo dos cursos de rios ou de quaisquer outros cursos d'água (mata ciliar), ao derredor de lagoas, lagos e reservatórios (naturais ou artificiais), nascentes, topos de morros, zonas com inclinação superior a 45º, manguezais, restingas, etc., dando ainda proteção ao solo agrícola e a Mata Atlântica, ou seja, somando proteção àquilo que é criado pela natureza e ao espaço criado pelo homem, com isso realizando o sonho socioambiental.
O Código Florestal de 1934 conceitua floresta como sendo toda a vegetação existente e que serve de utilidade a terra (solo) que reveste. Mais que isso, já em 1934 institui a floresta como sendo bem de interesse comum de todos os habitantes, isso é o que se depreende do que está escrito nos artigos 1º e 2º da citada legislação.
O código de 1965 que atualiza o de 34 não muda muita a concepção utilitarista, essa somente irá mudar com a lei 6.938/81 que ao estabelecer a Política Nacional do Meio-Ambiente passa a considerar as florestas como bem comum do povo brasileiro (direito difuso) e não mais interesse no sentido da utilidade, ou seja, a floresta passa a ter valor “intrínseco”, o que vem a ser reforçado pela Constituição de 1988 e com o novo Código Civil Brasileiro de 2002 a qual avança ainda estabelecendo a transgeracionalidade dos direitos ao meio-ambiente.
1.5 – Agrobiodiversidade. Esse é um dos elementos da biodiversidade, da qual o Brasil é o líder mundial e concentra, só de plantas e sementes, cerca de 22% de toda biodiversidade mundial entre as que já foram catalogadas (isso dá ao Brasil cerca de 55.000 espécies), em termos farmacológicas dados apontam que até hoje apenas 5% de toda a flora mundial teve estudado seus efeitos medicinais, estimativas apontam para um mercado mundial da biodiversidade em torno de 470 a 780 milhões bilhões de dólares por ano.
No setor da alimentação, por exemplo, sabe-se que das 250 mil espécies conhecidas pelo homem, 30 mil são comestíveis, dessas 7.000 foram ou tem sido utilizadas pelo homem para fins alimentícios, mas que na atualidade apenas trinta culturas tem sido efetivamente utilizadas. Ou seja, existe um potencial imenso de exploração da biodiversidade no setor primário (agricultura) e esse não pode ser desprezado, daí a preocupação crescente com a preservação da biodiversidade.
A crítica que aqui cabe fazer é que no geral as políticas públicas de defesa da biodiversidade tem se centrado na preservação da biodiversidade espontânea em detrimento daquela verificada em ecossistemas cultivados, desprezando-se o manejo feito pelos agricultores nacionais.
2 – Critica ao Modelo da Agropecuária Moderna.
No Congresso Internacional de Direito Rural e Direito Ambiental “Dr. Guillermo Garbarini Islas” realizada em 1994 pela UMSA (Universidad de Museo Social Argentino), o Professor Ramon Ojeda Mestre, em critica ao modelo de produção rural que ainda hoje se usa tanto na Argentina como aqui no Brasil afirma:
“Esta irracionalidad ecológica em el sector primario nos há llevado a una crisis cuyos principales factores que se destacan como causantes son los siguientes: 1. Una aparente tendencia a impulsar e implementar unos cuantos modelos productivos sin considerar las diferencias, particularidades y limitaciones ecogeográficas de cada espacio; 2. Una marcada tendencia a reproducir ciertos modelos importados sin adecuarlos, recrearlos o transformalos de acuerdos a las realidades próprias de los países; 3. Una tendencia, casi obsesiva a especializar todas las esferas de la producición y, como consecuencia, la producción misma y los espacios (regiones, localodades, parcelas) que utikliza; 4. Intimamente ligado a lo anterior un marcado sesgo hacia la concentración de la produeción rural; 5. Una política dirigida a favorecer com apoyo técnico y crediticio a los productores, localidades e regiones capaces de implementar com éxito los modelos primitivos predominantes y un insuficiente apoyo a todos aquellos productores que por razoanes de carácter ecogeográfico o cultural se ven impedidos a implementar tales modelos; 6. Una tendencia cada vez más obvia a favorecer el uso animal de productos vegetales básicos (como cereales y oleoaginosas) y sus correspondientes espacios de cultivo, menoscabando el uso humano directo que és mucho más eficiente; 7. Una actitud que ignora los sistemas productivos tradicionales – fundamentalmente los agrícolas – que aún persisten y dominan em los países, principalmente em las áreas campesinas temporaleras y que encierran todo un caudal de experiencias y estrategias de gran importância; 8. Una falta de preocupación por detener o aminorar la grave destrucción de recursos que la producción rural conlleva (tales como pérdida de suelos, cubiertas forestales, mantos freáticos, cuerpos de agua, recursos maderables, especies vegetales y animales y espacio), o por restaurar lo deteriorado según há explicado Víctor M. Toledo (20).” (MESTRE, Ramon Ojeda, pág. 95)
A afirmação é irretorquível, as monoculturas tem feito exatamente isso concentrado terra, e aumentado a devastação, cada dia se avança floresta adentro , primeira para dar lucro a indústria madeireira, e na seqüencia para ganhar áreas para cultivo de soja, algodão e outras culturas.
“Segundo dados da FAO anunciados em março de 2010, o Brasil reduziu a área líquida desmatada em 20 anos, mas continua líder no ranking, seguido por Indonésia e Austrália. Cerca de 4 milhões de hectares são perdidos anualmente na América do Sul.[1] [2]
Há três importantes fatores responsáveis pela desflorestamento no Brasil: as madeireiras, a pecuária e o cultivo da soja. Como boa parte opera ilegalmente, principalmente na Amazônia, os estragos na floresta são cada vez maiores. No Brasil, os estados mais atingidos pela desflorestamento são Pará e Mato Grosso. Este último é o campeão em área desmatada, apesar de ter havido uma redução nos últimos anos.
A média de madeira movimentada na Amazônia - de acordo com um relatório divulgado pelo Governo Federal em agosto de 2006 - é de aproximadamente 40 milhões de m³, incluindo madeira serrada, carvão e lenha. Desse total, apenas 9 milhões de m³ vieram de manejo florestal (previamente autorizado).” (Wikipedia)

Se ignora os riscos, tanto pelo fato de que a monocultura elimina os inimigos naturais de algumas pragas fazendo com que a agricultura seja cada vez mais dependente de veneno, envenenando assim a terra e os mananciais, como se ignora, muitas vezes os riscos de outras atividades como da foto acima, que se trata da extração de saibro deixando a nu toda uma encosta, o que não só destrói o ecossistema, como da forma como foi feita mostra o perigo a própria vida humana deixando área livre para deslizamento de terras.
A desflorestação implica, ainda, grave ameaça de dano irreparável a biodiversidade sendo hoje a principal causa de desparecimento de espécimes da fauna e flora, não se podendo ignorar esse efeitos devastadores.
3 – Novo Código Florestal – ameaça as florestas e a biodiversidade.
 A grande questão que toca é que a exploração agropecuária, agroflorestal não pode mais ser feita da forma insustentável como é hoje, quer por representar uma ameaça a manutenção da sua própria atividade como da vida humana na terra, além do que essas formas retrogradas de produção rural atentam contra a própria constituição brasileira, o que causa espécie é que esses setores não se dão conta disso e insistem nesses absurdos, veja que está no congresso, e já aprovado na câmara dos deputados, projeto de lei pode aumentar em até 150% o desmatamento, feito sob encomenda  da UDR (União Democrática Ruralista).
O que vemos no Novo Código Florestal, na forma como aprovado pela Câmara dos Deputados é algo anacrônico e que atenta contra a Constituição da República.
Digo isso porque a carta nesse estado socioambiental prevê que o desenvolvimento deve ser sustentável de modo a permitir a utilização dos recursos e o seu não esgotamento, pois o direito ao meio-ambiente é transgeracional, ou seja, é desta e das “gerações futuras”, ou como diria Saint-Exupery “não somos os herdeiros de nossos pais, mas os devedores de nossas crianças”.
O artigo 186 da Constituição da República, conforme já citado, refere que a função socioambiental deve atender ao aproveitamento racional e adequado da terra, utilização dos vetores naturais de forma a pugnar pela sua preservação.
O fato de se dizer que o meio-ambiente é direito das presentes gerações e das gerações futuras significa que deve haver meios que garantam por tempo indeterminado a quantidade de recursos naturais necessários para obtenção de direitos econômicos, sociais e culturais assim como da diversidade biológica.
Essa manutenção mais do que a proteção natural visa em especial a própria preservação do homem e sua qualidade de vida, assim entendido o princípio todos os setores sociais e produtivos devem se adequar a ele, ou seja, o “agronegócio” como setor econômico e vital que é, tem de se enquadrar dentro desse princípio, deve ser uma atividade sustentável e não de rapina como foi até que o Estado começasse a impor leis limitando o direito de explorar a natureza.
Veja que o princípio é bom para o próprio agronegócio, pois ao determinar a preservação da biodiversidade, implica que seja preservada a agrobiodiversidade, sejam resguardados elementos da flora que possam contribuir para a manutenção do germoplasma vital para manter viva muitas culturas agrícolas e modos de produção tradicionais no que futuro possam vir a ser exploradas para o fim de negócios no setor da biodiversidade, do qual se espera rendimentos e negócios na casa dos bilhões de dólares.
Diante disso importa que se tenha cautela, em todas as questões, e aqui notadamente quando se fala em florestas, em preservação de mata ciliar, topo de morros, encostas, que se aja com “precaução”, afinal são ecossistemas delicados.
O Tratado resultante da Rio 92, recepcionado pela nossa Carta Magna como direito fundamental constitucional, refere no item nº 15 o princípio da precaução, conceituando o mesmo da seguinte forma:
“Com o fim de proteger o meio-ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta, não será utilizada como razão para o adiamento das medidas econômicas viáveis para prevenir a degradação ambiental”.
Ou seja, a dúvida sobre a segurança do projeto econômico, social, é suficiente para que tome medidas restritivas.
O Estado tem agido, historicamente, quando a água já bate no teto, é o caso dos Códigos Florestais, o que levou o Estado brasileiro ao Código Florestal de 1934 foi à necessidade de evitar que a Mata Atlântica e as Florestas de Araucárias da Região Sul desaparecessem.
Quando as queimadas na Amazônica tomaram proporções assustadoras o Estado novamente interveio endurecendo a legislação e a fiscalização.
Agora o que se deseja, mais do que evitar a aceleração do desmatamento e destruição da flora e da biodiversidade da Amazônia, é preservar o resto da biodiversidade da Mata Atlântica naquelas regiões que estão fora de parques florestais (Unidades de Conservação), as quais ficam em áreas privadas, assim como barrar o assoreamento dos rios, canais, arroios, lagoas, e quem sabe revegetar esses locais recompondo a mata.
No entanto o que se viu no congresso foi uma mobilização no sentido contrário, ou seja, de aprofundar o desequilíbrio ecológico e a manutenção de privilégios exploratórios, quando não sua ampliação, forçando mecanismos como “áreas consolidadas”, “moratórias”, “anulação de multas”, “isenções”, assim como a conspurcação de competências federais passando a mesma para os Estados.
Essa reação dos setores conservadores do agronegócio representa um retrocesso na legislação ambiental que, de novo, fere outro princípio claro é o que da proibição de retrocesso.
As questões polêmicas que suscitam esse debate e que gravamos aqui como inconstitucionais são:
a) “Área Rural Consolidada”.
b) Ampliação do conceito de pequena propriedade rural.
c) Modificação de parâmetros para cálculo das áreas de preservação permanente (APP) que estão irregulares.
d) Redução da faixa de proteção das margens dos rios.
e) As áreas de proteção das várzeas deixam de ser áreas de preservação permanente.
f) Eliminação da obrigação de recuperar reserva legal para propriedades de até 4 módulos fiscais.
g) Desconto da área de até 4 módulos fiscais na preservação de Reserva Legal.
h) Computo da APP no cálculo da reserva legal.
i) anistia de 5 anos para os desmatadores ilegais.
Todas essas medidas atentam contra a constituição porque torna a agricultura uma prática insustentável e atentatória ao meio-ambiente.
Quando a lei estatui “área rural consolidada” até julho de 2008, está dizendo: todo o desmatamento e queimada ilegal feita contra as determinações do Código Florestal ainda vigente, contra a Lei de Política Nacional de Meio-Ambiente, foi legal. Que essas pessoas tem um direito especial que ninguém tem “um direito adquirido a desmatar, poluir, a destruir a natureza” e o que fizeram está certo e ninguém pode mudar, ora isso é a antítese do princípio da legalidade, o qual está consagrado no artigo 5º da Constituição Federal e diz que ninguém pode fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei. Além disso, fere o princípio da igualdade perante a lei, pois os desmatadores são considerados mais do que os cidadãos comuns, afinal a eles é dado o direito de ferir a lei e isso ser considerado situação imutável, pois consolidada.
Aqui se concorda com a crítica feita por João Paulo Capobianco no Jornal Le Monde Diplomatique Brasil, em que a pág. 9 (edição e maio de 2011), afirma que esse dispositivo cria “... uma espécie de direito adquirido para quem desrespeitou a legislação ambiental”.
Para definir pequena propriedade rural foi utilizado o critério de “módulo fiscal”, esse critério somente define quantidade de terras para efeito de tributação, e varia de 4 hectares a 400 hectares conforme a região do país.
Ora, em qualquer parte do país ter 400 hectares não é ser pequeno proprietário, mesmo, e principalmente na Amazônia, isso vai permitir que ricos e poderosos latifundiários tenham benefícios que são dados aquela pessoa com pouca terra, geralmente para subsistência e que trabalha a terra com a família, isso subserve o sistema e traz descontrole, alias pelos critérios adotados, como desconto da parcela até 04 (quatro) módulos fiscais, isenções, desconto da APP do cálculo da reserva legal, esse item “Reserva Legal”, vai virar letra morta, ou seja, vai deixar de existir, e nos contentemos com a APP (aonde ela sobreviver).
A Redução de 30 para 15 metros na APP da margem dos rios, agregada com o desaparecimento da proteção as áreas de várzea, vai reduzir em muito as áreas de preservação permanente e com isso prejudicar a proteção dos rios, podendo agravar a assoreamento. Só a decisão de eliminar a proteção dada ao “Igapó” que são as áreas de várzea quase que permanentemente alagadas, já vai causar um desequilíbrio no ecossistema protetivo, fazendo com as áreas de inundação natural sejam degradadas e contaminadas pelo uso de pesticidas e adubos, sim, porque reduzindo a área de mata ciliar e a proteção do igapó, isso quer dizer que será permitido o plantio nessas várzeas com todos os riscos inerentes a essa atividade.
Ora, isso é riscar da lei o princípio da precaução, é ignorar o direito das gerações futuras e é, especialmente, esquecer que a propriedade rural tem função socioambiental, aqui, da forma como delineado no projeto, resta só a função econômica de suprir a ganância explorativa de uma meia-dúzia em detrimento de uma nação.

Por fim, esses que descumpriram todas as leis citadas, mas que ainda restem com deveres de reconstituir APP e reserva legal e que tenham multas a pagar, ainda foram agraciados com mais 5 anos de moratória, nada precisando fazer até o Estado elaborar um plano de recuperação. E se o “Estado” nada fizer, afinal sabemos que existem itens na Constituição Federal que nunca foram regulamentados, e olha que a constituição já tem 23 anos, ou seja, é a consolidação legal da impunidade.

CONCLUSÃO

O risco da erosão dos genomas da agrobiodiversidade em função das diversas monoculturas existentes ele é visível, se tem noção do que a monocultura causa, afinal das cercas de 30.000 espécies comestíveis conhecidas o homem atualmente usa a variação mais comum de cerca de 30 espécias, sendo que em termos de cereais o mais comuns são arroz, soja e trigo, alias uma passeada pelas gôndulas de supermercados demonstrará que a maioria dos alimentos é feita a base dessas três sementes.
A monocultura dessas três sementes tem contribuído em virtude de sua massificação e competitividade, para erosão do próprio germoplasma dessas culturas, fazendo desaparecer culturas mais tradicionais, e muitas mais nutritivas em detrimento de critérios como produtividade.
Não é atua que os grandes adversários de um código socioambiental e que seja movido pela preservação é justamente dos setores de plantadores de soja, arroz e trigo, mais especificamente soja e arroz, pois são o cereais que puxam a economia exportadora do Brasil, também a criação de gado em sua forma mais atrasada (a extensiva) tem sido adversário, pois é da derrubada de matas para plantação de pastagens, de soja e de arroz que tem vivido o agronegócio brasileiro.
Ora, o novo Código Florestal, como está, aumenta esse risco de erosão da agrobiodiversidade, ao por dar aos monocultores mais áreas para suas práticas agrícolas insustentáveis, ou seja, a lei faz tabua razão do artigo 186 da Constituição Federal, do artigo 5º da Constituição Federal, do artigo 1.228 do Código Civil de 2002, e de toda a legislação vigente a fim de atender ao poder econômico de elites agrícolas atrasadas tanto tecnicamente como culturalmente.
É preciso que se invista em educação ambiental, é preciso que o governo e os nossos representantes se deem conta do que está acontecendo e do absurdo de manutenção de um modelo de produção rural que não leva em conta os interesses das gerações futuras e da sobrevivência do próprio agronegócio, afinal como disse o mestre Francisco Gileta em sua manifestação no Congresso Guillermo Garbarini Islas, nos temos três atitudes frente a natureza ou a “degradamos, incendiando, mantando animais, envenenando o ar e os solo ou a respeitamos (recordando a frase de Shakespeare “o respeito é o que rege o mundo”), porque não se não respeitarmos ela, ela se fará respeitar, ou amamos a natureza e seguimos os ensinamentos de São Francisco de Assis que nos falava do irmão sol e da irmã lua.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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terça-feira, 4 de outubro de 2011


DROGAS ENTRE ADOLESCENTES DE PORTO ALEGRE,
RIO GRANDE DO SUL, BRASIL – SOB O PONTO DE VISTA BIOÉTICO.


RESUMO: O presente trabalho é uma releitura da pesquisa feita para UMSA (Universidad de Museo Argentino) no primeiro semestre de 2011 sob orientação do Professor Jorge Ronderos Valderrama, a qual pesquisou as práticas e imaginários sociais sobre o uso de álcool e maconha por jovens entre 12 e 18 anos. A realidade do uso das drogas passou por mudanças ao longo dos últimos séculos, em especial nas últimas décadas, a dessacralização das drogas e sua passagem para o mundo laico como forma de prazer hedonista desvinculado do sentido, do valor original, agregado a uma sociedade em que o consumo é o “objetivo”, são as molas propulsoras ao grande consumo de drogas na sociedade ocidental, sejam elas legais ou ilegais, a esse consumo é dado uma visão lúdica de um lado e do outro são buscadas como a solução para os males gerados pela sociedade, como ansiedade, depressão, falta de perspectivas, não se dão conta nem a sociedade e nem o ser humano que a solução não é a droga, mas a revisão dos valores hedonistas que nos comandam. A seu turno cada sociedade escolhe a droga que lhe é própria e qual deve ser coibida. A forma de controle adotada com relação as drogas tem sido ineficaz, justamente por centrar-se nas consequências e não nas causas, não se estabelece uma relação bioética em termos de políticas públicas e relação social que leve em conta ao menos algum dos quatro princípios. Nossos adolescentes estão cheio de  informações obtidas em internet, jornais, revistas, a questão básica não está em informar ou coibir, e sim rever os valores da sociedade, das famílias, da organização social, enfim num novo processo educacional e civilizacional.

PALAVRAS CHAVES: Drogas. Maconha. Álcool. Adolescentes. Educação. Valores. Bioética. Políticas Públicas. Violência. Adicção.


** IVAN SÉRGIO FELONIUK - Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos em 1990. Especialista em Ciências Penais pela PUCRS em 1997. Especialista em Projetos Sociais pela UFRGS em 2001. Cursando Especialização em Direito Público pelo IDC. Mestrando em Bioética pela UMSA. Pesquisador da UMSA em 2011 sobre drogas. Currículo Lattes em: http://lattes.cnpq.br/2802280180725397


INTRODUÇÃO.

O presente trabalho é uma releitura da pesquisa feita por mim e a Dr ª. Liselaine Marques para UMSA (Universidad de Museo Argentino) no primeiro semestre de 2011, sob orientação do Professor Jorge Ronderos Valderrama, no qual pesquisou-se as práticas e imaginários sociais, sobre o uso de álcool e maconha por jovens entre 12 e 18 anos de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

Na presente releitura, partimos do quadro geral, de uma visão do mundo, e depois retomamos os levantamentos feitos em nosso trabalho inicial, atualizando e revisando conceitos e conclusões, para chegar a uma generalização ante ao que se observa em termos de bibliografia e dados nacionais e mundiais sobre o consumo de drogas, sendo o presente trabalho mais de teorização e construção de algumas ideias que prático como foi inicialmente.

Feitos esses esclarecimentos que os servem de justificativa ao presente ensaio, podemos ora introduzir algumas noções que temos sobre as drogas para depois trabalhar melhor ao longo do ensaio.

É sabido que as drogas são tão antigas quanto o homem, mas embora tenham sido usadas de todas as maneiras, como remédios para cura de doenças, como veículo nas práticas xamânicas, ou mesmo como meio “lúdico” de convívio social, como forma de protesto contra um estado de coisas e aproximação a um meio “natural de viver”, nunca na história da humanidade as mesmas foram tão agressivas a essa, como agora.

A lembrar que no final do século XIX drogas eram usadas até mesmo nos bailes reais do Rio de Janeiro, haviam fábricas de pasta de coca na Alemanha e outras partes da Europa que fabricavam cocaína e a vendiam como remédio, os refrigerantes eram produzidos a base dessa mesma coca.

Ao longo do século XX essa relação do homem com as drogas foi tomando novos rumos, ao ponto de se chegar no que temos hoje. A droga, no Brasil, deixou as altas rodas sociais e entrou nas favelas, não apenas como meio de vida, mas como essencial à vida de uma série de seres que já não tem seu lugar no mundo a custa da desagregação familiar, e passa a ser consumida por pessoas cada vez mais jovens.

Aqui quando se fala em droga, se fala no álcool, na maconha, na cocaína, benzodiasepínicos, anfetaminas, etc., muito do que era “chique” a ponto de que os “bacanas” é que morriam de overdose seja com barbitúricos (Elvis Presley), ou uma mistura exótica de uísque com guaraná, digo, cocaína (Elis Regina, etc.,), subiu o morro, e a overdose passa a ser coisa de pobre (crack e oxi). Não se fuma mais escondido dos pais, aliás, fumar é até normal, a idade para beber é cada vez mais cedo, para “pertencer” a um grupo tem de adotar as suas práticas senão não faz parte da tribo, gang ou bonde, como preferirem.

Os dados que temos são de assustar, o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, (2005), nos dá a noção de que as drogas são como uma verdadeira epidemia, a ponto de termos: 12,3% da população dependente de álcool, 10,1% é dependente de tabaco, 1,2% é dependente de maconha, 0,5% é dependente de benzodiazepínicos, 0,2% é dependente de estimulantes e a mesma porcentagem da população é dependente química de solventes.

As causas dessa epidemia são sociais, químicas, psicanalíticas, biológicas, afinal o que sabemos disso, José Fericgla vai nos dizer que sabemos muito pouco, usamos termos inapropriadamente e não conceituamos corretamente os tipos e uso das drogas, Claude Olievestein diz que muitas drogas são simplesmente uma escolha do tipo de sociedade, por exemplo, nos países muçulmanos enquanto o álcool é proibido a maconha é liberada.

Qual a interação da droga com a violência, será ela instigadora ou resultado, para tentar responder essa questão, seguimos os ensinos de Freud, analisando aquilo que ele nos traz e o que diz um de seus intérpretes, o psicanalista brasileiro Jurandir Freire Costa, com isso é que podemos analisar que a droga não é causa direta da violência, mas sim consequência dessa violência como instrumentalizadora da defesa de um poder estabelecido, e que combater as drogas na forma como os “Estados” vem fazendo é combater uma das consequências e não a causa da violência como parece ser o senso comum.

De outro lado, aonde se encaixa a Bioética no agir social e do Estado no trato a drogadição, outros questionamentos podem ser agregados a esses, como práticas nos levaram a isso, o que se pensa a respeito, quais as perspectivas, qual noção temos disso tudo, como encarar essa nova realidade, aonde vamos e aonde queremos chegar, e nesse caldeirão de coisas fazer o que, reprimir, tratar, prender, liberar geral e cair na gandaia e seja o que “Deus quiser”, como costumamos dizer, e aí “mano” qual o caminho, aliás, tem caminho, pois bem, é nesse mar de incertezas que iremos navegar nesse trabalho, procurando jogar luz sobre a discussão.

1 – Imprecisão conceitual.
Os debates atuais em redor do tema “drogas” tem sido, quase que exclusivamente, policial, e mais precisamente liberação de que tipo de drogas ou não. Políticos, técnicos, advogados, juízes, promotores, jornalistas, tecem considerações do tema como se estivessem servindo um prato feito e não houvesse mais o que discutir e nem o que fazer.

Afinal de contas, quando falamos de drogas, é preciso conceituar o que é mesmo que entendemos sobre as mesmas, e quando falamos do viciado é preciso dizer quem é esse sujeito do qual falamos, aliás, cometi aqui uma impropriedade, no Brasil do politicamente correto se fala em “usuário”, o termo “viciado” ficou para o jogador compulsivo, o termo vício para o “fumante”.

O que se questiona é quem é esse usuário, e o que entendemos por usuário, viciado, traficante, “vapor”, “aviãozinho”, “soldados”. Liberar drogas, quais, porque, para quem, e porque se drogam. Para quem tudo sabe, isso já está respondido, será mesmo?

Josep Fericgla no artigo EL ARDUO PROBLEMA DE LA TERMINOLOGIA, publicado na Revista Cultura y Doga, No 5 de 2000, diz textualmente.

“Es obvio que no se sabe que hacer con las drogas. Ni con los que las usan. Ni tan siquiera se sabe cómo hablar de ello, que es más grave. En unas ocasiones, para defenderlas, se invoca a los placeres y ebriedades de tan difícil descripción. En otras ocasiones se apela a causas demasiado falsas, vagas e inexactas para atacar los psicotropos. Afirmar que la droga mata es tan necio como declarar que el agua ahoga o que las drogas iluminan.
Nuestros gobiernos, la burda prensa de masas y un aparente gran número de occidentales dicen estar contra el consumo de ciertas substancias psicoactivas. Bueno. Cuando uno se interesa por sus argumentos, descubre que su grosero bagaje lingüístico se limita al término drogas. Máxime lo amplían con las drogas matan o con un mal usado estupefacientes o narcóticos. Lo que queda así reflejado es la descomunal ignorancia y confusión que reina sobre nuestro tema, que mal conjuga con opiniones pretendidamente sólidas y con actitudes enjuiciadoras. Por ejemplo, hay la costumbre de hablar de alucinógenos como genérico de todas las substancias prohibidas cuando, en realidad, solo se conocen cuatro compuestos que sean literalmente alucinógenos y ninguno es de uso popular ni están perseguidos… porque no son usados por el pueblo llano (me refiero a la ketamina, escopolamina, hiosciamina y atropina). Así mismo, se habla de narcóticos para referirse, por ejemplo, a la cocaína o al MDMA cuando se trata de estimulantes del SNC. Sería, literalmente, como etiquetar de hortaliza al hígado de oveja porque ambos son alimentos y se desarrollan en el campo.”(op cit, pág 3).

É preciso entender, por primeiro, que quando se fala em “drogas” esse termo é qualquer substância biologicamente ativa, ou seja, entra nessa classificação de uma inocente aspirina ao fármaco mais potente.

O correto então é dizer drogas legais ou ilegais, e aí nos situamos no campo correto e precisamente definido, mas isso é só o começo.

Existem drogas legais que tem potencial letal se utilizadas com abuso ou inadequadamente, e isso também não defini o usuário em si, porque esse pode ser “usuário” de droga legal e na qual se viciou (caso do alcoólatra, ou de quem é viciado em remédios para dormir), ou pode ser “usuário” de droga ilegal.

Conforme apontado na introdução, cerca de 12% da população brasileira é dependente de álcool, algo como a módica quantia de 22 milhões de pessoas (se considerarmos uma população de 190 milhões de habitantes), ora isso é mais que o dobro da população do Rio Grande do Sul, quase a metade da Colômbia (45.659.709 milhões conforme o Banco Mundial em 2009), é cinco vezes a população do Uruguai (3.344.938 conforme o Banco Mundial em 2009), ou seja, é um número assustador, mas paradoxalmente só nos preocupamos com o número de alcoólatras quando eles aparecem nas estatísticas de trânsito como “motoristas” (como atropelados são só números), ou nas páginas policiais como “assassinos”.

Os “tabagistas” no Brasil representam 10,1% da população, mas nos preocupamos com eles apenas nas estatísticas de câncer de pulmão ou quando tem um fumando ao nosso lado.

Agora, com o 1,2% da população que depende de maconha (algo como 2,28 milhões de pessoas), número expressivo, e pouco superior ao número de pessoas que se declara de umbanda (1% segundo o datafolha em pesquisa realizada em 2007).

Agora, é esses pequenos percentuais, agregados ao número de dependentes de todos os demais tipos de drogas ilegais é que causam o “temor” social.

É claro, e seria cegueira negar os prejuízos que causam determinados tipos de drogas mais pesadas como cocaína, crack, heroína, LSD, oxi e merla, elas são capazes de destruir um ser humano em pouco tempo, por exemplo, o oxi mata em 1 ano e sua entrada em Porto Alegre foi descoberta em maio de 2011 (Jornal Zero Hora de 12 de maio de 2011), assim como agora em setembro a polícia apreendeu produto para limpeza de teclado de computador que era vendido como droga (Fonte: http://noticias.r7.com/cidades/noticias/policia-apreende-produto-limpeza-usado-como-droga-no-rio-grande-do-sul-20110906.html).

Dito isso, aos nos preocuparmos com “drogas” no presente trabalho, estamos definindo com precisão nossa posição, nos preocupamos com aquelas substâncias, legais ou ilegais, mas potencialmente danosas ao ser humano e que são capazes de gerar “dependência” química, estando ligadas diretamente à violência, ao tráfico e a mortalidade; essa é a nossa preocupação central.

2 – A droga como questão cultural.

Un aspecto que ha puesto el tema en el centro de grandes contradicciones actuales, en diversas sociedades de los cinco continentes, es la división jurídica entre drogas prohibidas y legales. Esta división fundamentada en parte en algunos hallazgos científicos y médicos, ha concluido que existen” drogas adictivas “que atentan contra la salud pública, por lo que tales drogas se deben prohibir y perseguir hasta su extermínio total de la vida humana. Esto es desconocimiento e ignorancia crasa según se constata biológica, histórica y culturalmente. Las drogas entendidas como principio biológicamente activo, existen desde antes de la presencia de la especie humana en la isla cósmica y vital que hemos habitado. Están relacionadas con la transformación ecológica del planeta cuando surgieron las plantas angiospermas, hace aproximadamente 125 millones de años, plantas que casualmente contienen los alcaloides o drogas y de las cuales algunas sirvieron de alimentación de nuestros antecesores primatoides hace cerca de 8 ó 9 millones de años. Igual sucede con los hongos, que incluso pudieron existir también en periodos anteriores”.(VALDERRAMA, Jorge Ronderos,  Drogas Y Medicamentos: Entre Laprescripción Y Laproscripción – pág. 1).

O professor Claude Oliveinstein divide as drogas em cinco categorias, as euforizantes (como a heroína), as excitantes, das quais as anfetaminas e a cocaína são exemplos, as inebriantes como o álcool, as sedativas como tranqüilizantes, soníferos, e a quinta categoria que ele chama de ideológicas, assim ditas em virtude do debate que existe em torno delas, discutindo se são perigosas ou não, essas ele classifica em duas subcategorias; as alucinógenas (cogumelos, LSD) e a “cannabis”.

Ainda o refere em termos de senso comum teórico a opinião geral do público (ainda hoje, prevalente), de que se dermos uma droga a alguém ele se viciará, opinião essa que não tem sustentação, traz ele o exemplo da guerra do Vietnã em que embora a maioria dos soldados americanos estivessem intoxicado com drogas pesadas ao retornarem para casa apenas uma pequena parte deles se tornou toxicômano, ou seja, ficou evidenciado que não somos iguais perante as drogas e muito depende das condições socioculturais em que se vive.

Sob um certo aspecto essas mesmas considerações serão feitas pelo professor Fericgla o qual exemplifica sua posição com diferentes acontecimentos, cita o exemplo do tabaco que era consumido pelos índios americanos para se atingir etapas espirituais, ou o exemplo da uva que no velho mundo é usada para extrair álcool que tem função espiritual na própria missa católica.

Mircea Eliade, que estudou os  xamanismos nos traz vários exemplos como a cura xamânica feita pelos paviotsus da América, usando cachimbos.

Karina Malpica em seu trabalho sobre o xamanismo, afirma que as plantas usadas pelos xamâs tem como características.

“1) las plantas se consideran sagradas;
2) son utilizadas en ceremonias o rituales específicos que sostienen y renuevan la cosmovisión del grupo cultural;
3) existe un mundo distinto a éste al cual se tiene acceso por medio de las plantas, en esse ámbito secreto de la existencia tienen lugar experiencias provechosas y se adquieren valiosos conocimientos;
4) el empleo de estas sustâncias forma parte reconocida de la membresía del grupo, o algún subgrupo significativo;
5) estas plantas pueden ser utilizadas por quienes tienen la habilidad para curar y para producir otras cambios en el mundo ordinario mediante su aplicación.” (http://users.servicios.retecal.es/buctro/amigos/_chaman/index.htm)


O professor Roberto Garcia Salgado diz que;

“En efecto, la salud es una de las preocupaciones naturales y creadas entre cualquier grupo humano, y una de las posibles causas del consumo de drogas; por otro lado, la moral es un consenso que determina lo Bueno y lo malo de un colectivo, lo sano de lo insano, lo adecuado de lo inadecuado. Bajo esta concepción se han privilegiado los discursos medicalistas que, espaldados en los supuestos alfabetizados y su consecuente estatus social, han satanizado el discurso y la práctica de las drogas y de aquellos que las consumen, etiquetándolos como inconscientes, perversos, viciosos e insanos, entre otros califi cativos”.(Salgado, Roberto Garcia. Drogas y Subjetividad, pág 3).

Por outro lado o professor, Jorge Alberto Yaría, alerta dos perigos das drogas, afirmando, por exemplo, que na Argentina a idade do consumo de álcool tem baixado cada vez mais, estando já na casa dos 12 anos a idade em que o consumo de álcool é iniciado, afirma o caráter epidêmico da drogadição, e que não existem drogas inocentes.

O mesmo professor Yaría relata que o comércio da droga produz um mercado de trabalho e de serviços, tanto um espaço de trabalho e serviços lícitos já que o Estado tem de recrutar mais gente para o combate, como um clandestino em que existem profissões ilegais nascidas para dar sustentação ao tráfico.

Segundo Yaría, jovens que começaram nas drogas, e aí incluído o álcool, antes dos 16 anos apresentam forte estado de deterioração mental, tem a saúde debilitada, aliás, alerta ele para a existência de uma cultura da droga em nossa sociedade, afirma a existência do “jovem crônico” como sendo aquele que já nasce dependente da droga para o resto da vida.

O professor Yaría na sua obra “A Existência Tóxica” o qual lista as estruturas das personalidades em risco são: a) Transtornos de conduta antissocial: personalidade que se desenvolve em um quadro familiar caótico; b) Transtornos ligados à vinculação afetiva: quadro que se desenvolve em virtude do isolamento afetivo, num quadro de apatia e  indiferença, revelando-se desde a primeira infância; c) Depressão púbero-adolescente: pessoas que escondem o quadro de depressão e que se revelam depressivos pelos transtornos de comportamento.

      Em séria advertência ao uso da maconha o professor A. Almeida Jr, em Lições de Medicina Legal, adverte que o uso da “cannabis sativa” dificulta a atividade ordenada, tanto somática como psíquica, causando distúrbios de percepção e do raciocínio, podendo de acordo com a quantidade consumida perder o viciado o controle de suas emoções o levando a reações violentas, ainda que sem ser provocado, alerta para a penetração da mesma nos meios estudantis e os problemas causados pela dependência nestes meios. Neste aspecto diverge do professor Olievenstein que classifica a “cannabis sativa” como uma droga social e sem maiores repercussões físicas, ou seja, de um lado ou de outro existem posições antagônicas em jogo, e posições respeitáveis.

3 – Quem é o viciado.

O professor Claude Olievenstein na palestra realizada em Porto Alegre em 26 de setembro de 1987, a qual foi publicada pela revista Estudos Jurídicos (agosto de 1988), afirma que durante a infância cria-se a personalidade das pessoas e que essa é um espelho, assim conforme a formação dada resultará em pessoas com o espelho bem formado e que se enxergam completamente, outras que poderão ter sofrido pequenos traumas terão a sua imagem arranhada no mesmo, e, ainda, existem aqueles que terão o espelho totalmente fragmentado, o que o professor chamou de espelho impossível.

Esse ponto parece consenso, as dificuldades que levarão a pessoa ao vício se formam lá atrás, na infância, uma má relação familiar, a presença de um pai que, na verdade, não traz a lei, mas é a presença constante de uma ausência, de uma mãe possessiva, causam a desestrutura que levam a falência da família e essa a do indivíduo.

“O serviço prestado pelos veículos intoxicantes na luta pela felicidade e no afastamento da desgraça é tão altamente apreciado como um benefício, que tanto indivíduos quanto povos lhes concederam um lugar permanente na economia de sua libido. Devemos a tais veículos não só a produção imediata de prazer, mas também um grau altamente desejado de independência do mundo externo, pois se sabe que, com o auxílio desse amortecedor de preocupações, é possível, em qualquer ocasião, afastar-se da pressão da realidade e encontrar refúgio num mundo próprio, com melhores condições de sensibilidade. Sabe-se igualmente que é exatamente essa propriedade dos intoxicantes que determina o seu perigo e a sua capacidade de causar danos. São responsáveis, em certas circunstâncias, pelo desperdício de uma grande quota de energia que poderia ser empregada para o aperfeiçoamento do destino humano. (FREUD, S., 1930 [1929])
Freud, estando consciente disso ou não, estabelece uma ponte que é usada por psicólogos profissionais até os dias de hoje. Ele claramente considera o uso de tóxicos uma fuga da realidade, estabelece que esse tipo de relação é natural do homem e estabelece também que as drogas são de um alto nível de periculosidade para o aparelho psíquico do ser humano. Neste mesmo texto, Freud discorre longamente sobre as dificuldades dos seres humanos em tamponar seus instintos com o objetivo de viver harmoniosamente em sociedade. Tarefa essa extremamente difícil e que cobra dos sujeitos submetidos à cultura um alto preço. O autor compara o uso de tóxicos à religião como uma forma de lidar com as pressões vindas do aparelho psíquico na busca do prazer que vão à contramão das regras impostas pela sociedade” (A Toxicomania Do Ponto De Vista Da Psicanálise).

Acrescento aqui, por primeiro a colocação do Professor Jurandir Freire Costa que em sua obra Violência e Psicanálise refere o caso de um “jovem delinqüente” caracterizando como filho de mãe separada que o deixava aos cuidados de uma empregada e que foi currado aos 5 anos por garotos de um morro próximo de sua casa, local para onde foi levado por essa empregada tendo se perdido dela, ainda que foi induzido pela mesma empregada a fumar maconha e a ingerir bebidas alcoólicas, isso pelos 8 e 9 anos, que essa empregada foi demitida somente após a mãe o ver, por acaso bêbado, e que as babás seguintes não foram cruéis, mas também não conseguiram demonstrar afeto por ele, reporta muita a ausência do pai, o qual o visitou uma vez aos 12 anos e lembra de ter passado por essa idade cerca de 3 meses com o pai, relata dificuldades emocionais, ter trocado cerca de 19 vezes de colégio em curto espaço de tempo, em especial porque aí já começara seu forte envolvimento com drogas (obra citada, págs. 103 a 107), enfim, o que Jurandir mostra com esse caso é a “violência” como fator importante de formação do drogadito, a desagregação familiar com influência, a ausência das funções materna e paterna como determinantes nessa formação.

Assim também em “Drogas.SEM” as professoras Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Gisele Aleluia, por meio de exemplos de famílias desagregadas “pela droga” que a questão é que num mundo corrido em que não se tem tempo para nada, os pais esquecem do principal, de sua tarefa de educadores, de estabelecer o devidos limites e fronteiras, e com isso o resultado são “crianças sem noção de limites, adultos sem fronteiras, relações envoltas em caos” (pág. 50), vale dizer que esse caos é anterior a drogadição de um ou de vários membros da família, ou seja, a droga é a conseqüência e não a causa.

Isso faz com que nos perguntemos, mas quem é o doente, o viciado ou a sociedade, quem afinal de contas é que tem a patologia? O certo é que o viciado deve a sua formação a desagregação familiar ou a não adaptação social, não menos verdade é que se a família sofre pela desagregação, e o homem pela busca do prazer, o problema é social.

Estamos diante de uma sociedade patológica. Yaría cita F. Dolto e ensina que: “Se uma criança não recebe de alguma pessoa conhecida os elementos verbais sobre o que percebe, sua função simbólica será exercida na solidão...” (Dolto op cita Yaría – pág. 24), aqui Yaría diz que a solidão da criança é um problema que se instala não apenas pelos conflitos entre os pais, mas também pelo fato de que a nossa atual sociedade impôs condições sociais e culturais que acabam por afastar a criança dos pais, a nova divisão do trabalho trouxe para a criança uma grande perda, tendo o valor dessa como “esperança” sido tomado por outros valores ditados pela sociedade de consumo, valores mais efêmeros como realização e perfeição (estética do corpo, objetos, etc.).

“...“Los hombres modernos son gente que se han puesto a resguardo de revelaciones... Tenemos a nuestra homogénea y prosaica versión de la realidad y a nuestro estado interior cotidiano y sobrio por algo tan normal y normativo que todo el resto sólo es considerado como ilusión y desvarío. Nada habría para nosotros más perturbador que la irrupción de nuevas manifestaciones de un más allá que reclamara derechos de validez como cultura oficial “...” (Sloterdijk apud SALGADO, Roberto Garcia, pág. 5).

É necessário reconhecer que o “viciado” atual é fruto da sociedade e resultado de uma batalha de pelo menos 200 anos, as drogas em nosso passado era o refúgio de intelectuais, artistas, cientistas, mais do que isso a droga, mesmo na Grécia, ainda é considerado o espaço do “xamã” (segundo Mircea Eliade o grande especialista em alma humana que tem capacidade de fazer viagens ao mundo dos espíritos) tinha o tom do sagrado, a droga era sacra, ritualizada.

O homem moderno, fruto de uma sociedade de consumo, é um homem em que impera o racional, fruto dessa racionalidade, e as drogas têm o efeito substitutivo das crenças, desapegadas do sagrado passam a ser perseguida, e nisso consiste a guerra contra as drogas, dito isso é claro de modo muito simplista, mas a questão é que a sociedade moderna rompe o equilíbrio tradicional ao se transformar e gera com isso suas próprias doenças sociais.

Essa nova racionalidade do mundo faz com que a sociedade só reconheça validade em duas drogas substituidoras, o dinheiro e o sucesso, relegando todo o resto a ilegalidade, dessa forma, dessacralizada a droga que não encontra respaldo na sociedade vai servir de bálsamo a quem não obtém prazer nem com dinheiro e nem com sucesso,  o sujeito passa a entrar em contato direto com substâncias que se antes controlada pelo sagrado, hoje sem controle impõe um contato direto desse com substâncias poderosas e que acabam por produzir os resultados atuais, e como na palavra de Sloterdijk citado por Salgado: “En cuanto desaparecen los asideros rituales que, en el consumo de drogas sacras, protegen al sujeto, éste se halla en una relación directa y sin protección alguna con aquello que, según toda experiencia, es más fuerte que el próprio Yo profano”. (pág. 6).

O fato de vivermos em uma sociedade estimulante do consumo, é causa basal no aumento do consumo de drogas, assim ver os amigos consumindo drogas, mais do que a velha ideia de “más companhias”, ou a necessidade de “pertencimento” a um dado grupo, necessidade comum na adolescência em que se busca a identificação consigo e com o mundo, é um incentivo pelo simples fato de que a ordem imanente implantada em nossas mentes pela sociedade é uma só: “consuma”.

“El valor de la amistad es interesado, desde el punto de vista económico y de acuerdo a su estilo de vida. La moral del placer, según lo afirma Aranguren (1985), trae consigo dos formas de vida vigentes en la actualidad: la delincuencia y la drogadicción. Estamos viviendo una sociedad en la que se fomenta el consumo”.La percepción del consumo de drogas en los amigos, han sido identificados como los predictores más fuertes para el consumo de drogas en adolescentes como factor de alto riesgo ““.(MEDINA, Maritza Salazar, pág. 20.).

Essa questão do consumo, do lucro, como novos horizontes e deuses culturais, é um processo que vem com a chamada modernidade, Eduardo Bittar vai nos dizer que há por conta de uma paulatina suplantação da ética pública pela privada, da substituição de um modelo impositivo absolutista de ética por uma pluralidade ética, em verdade o mundo sofreu um processo de deterioração da ética a ponto de haver uma série substituição de valores, no qual o individualismo, o hedonismo, passa a imperar, desestruturando o modo de pensar, assim é que impera, hoje “... no lugar da transcendência, a racionalidade, no lugar do manual, o técnico, no lugar da virtude, o lucro, no lugar da unidade, a multiplicidade, no lugar da integração, a fragmentação” (pág. 85), assim em virtude dessa mudança há uma descrença na ética e com isso se opta pela “contingência” e com ela, como fala Chaui, se opta pelo fragmentário, pelo efêmero, pelos microdesejos, pelo presente sem passado e sem futuro.

O drogadicto de hoje é aquele que sofre e sofreu pela desagregação familiar, pelos seus desajustes com o meio, pela necessidade de pertencimento, e por ter introjetado em si a ordem social: “Consuma”, pela ausência de freios e noções de ética numa sociedade individualista, hedonista, consumista.

Esse é o “usuário”, o viciado, aquele que leva a sério a ordem máxima da sociedade de consumo, consumir. Esse processo perverso que transforma seres humanos em máquinas de consumir, que substitui valores humanos por coisas e que sacraliza “dinheiro” e “sucesso”, é o que constitui o “drogadicto”, fruto então da falência da ética e da falência familiar.

Drogadicto esse que pode ser viciado seja em drogas legais ou ilegais, pouco interessa o rótulo dado a droga, e essa preocupação é que tem que estar presente, o vício não é mais grave por ser em álcool do que em maconha, ou de ser nos dois, o vício é grave por ser vício, e o remédio para ele é um só e com certeza passa longe da idéia de repressão, está visto que enquanto gastam valores milionários no combate ao tráfico, gastam-se valores ínfimos no tratamento do viciado, o consumo e produção de drogas sobe anualmente, é como se o esforço em nada resultasse.

O custo do Rio de Janeiro com as unidades de polícia pacificadoras são valores que não tem como se sustentar em longo prazo, sem que haja uma política educacional por detrás e que essa seja o freio a dar a fortaleza para que o humano sobreviva em cada um.


4 – Drogas e violência.

O censo comum diz que drogas geram violência, que o viciado alimenta o trafico de drogas e a ilegalidade, que o viciado para satisfazer o vício rouba e mata. Bem em termos existem coisas verdadeiras no chamado censo comum. O que não se vê, é que se tratam tais reconhecimentos da ponta do iceberg, além de inverter a relação causa/conseqüência.

Ao dizer que a droga gera violência, e que o drogadito alimenta o tráfico e a violência, por conseguinte, é uma metonímia indevida e que geram problemas de análise, e, portanto confundem na hora de encontra a solução, talvez sendo o principal responsável pelo que o Estado combata sempre a conseqüência em vez da causa.

Duas coisas devem ser separadas inicialmente, a violência enquanto mola motriz social, e a violência enquanto formadora da identidade individual.

No primeiro passo, é necessário retornar a analise de Freud, de Levi-Strauss, e mais recentemente o que nos trás Hanna Arendt e Walter Benjamim, sem querer aqui esgotar a temática. Arendt e Benjamim vão consertar o que passa na obra dos dois primeiros, ao desmistificar a violência no ato do parricídio fundamental, como visto em Totem e Tabu, como o fundador da norma e, portanto da organização social.

Em verdade, para que haja a culpa no parricídio fundamental é preciso que houvesse uma norma anterior, afinal ninguém pode se sentir culpado se não estiver agindo contra aquilo que acredita e lhe foi imposto, trocando em miúdos, a violência do parricídio é a violência não pela qual se instala o poder, mas pela qual se muda o poder de mãos e se estabelece uma nova forma de organização social, e onde se instaura o trauma da norma.

Em verdade a norma é dada pelo simbólico. Assim da mesma forma as normas passadas pelos pais para a criança não o são por meio de violência, ou da sedução violenta como muitos querem fazer crer, mas sim pela criação de signos e significados que assim ditam a norma. Por outro lado, a criança vai interagir e se constituir no seu “eu” por meio do chamado “segredo”, ou seja, aquilo que só ela sabe dela mesma, é assim numa dialética com o social e com o outro que se forma o “eu”, da mesma forma que a sociedade muda de forma dialética, com base nos símbolos e significados existentes e na interpretação que se tem deles, ou mudanças que neles se queira fazer.

Conforme dito no item anterior, quando se tratou de quem é o viciado, não é esse que gera a violência e que dá razão ao mercado, ao contrário, ele no máximo retro-alimenta esse processo, ele em si é fruto da violência, violência no seu abandono, nos maus tratos, na desagregação, na fragmentação da família, nos traumas direto que possam lhe ser impingidas pelas mais variadas formas de violência.

Sem saída, o viciado vai em direção a droga, não como fuga, mas como solução para seus problemas, para poder enfrentar a realidade que frente a seu espelho turvado, fraturado ou totalmente estilhaçado, não tem como dar conta.

Freitas (pág. 113/114) vai nos dizer que nesse processo dialético de formação do eu, que envolve o que socialmente cerca, mas também aquilo que acima chamamos de “segredo”, incluindo “corpo”, o “EU” para uma perfeita identificação tem de operar um tríplice reconhecimento, qual seja de que o corpo é mortal, é fonte de prazer e é fonte de sofrimento. Todavia para reconhecer a mortalidade do corpo, a fim de que não desista desse corpo, afim de que constantemente reinvista nele afeto, energia, o “Eu” deve inocentar esse corpo da morte, assim colocando a causa morte em questões externas como a doença, o acidente, o poder e desejo de morte do outro, questões que agridem ao corpo, e que sem elas ele não morreria, do mesmo modo quanto ao reconhecimento do corpo como fonte de prazer, esse mesmo “Eu” deve encontrar cenas reais que lhe firmem a existência dessas propriedades.

Ora, quando nem o corpo pode ser inocentado, e quando a realidade não lhe dá fatos que sustentem esse corpo como fonte de prazer e dor, o “Eu” passa a viver uma realidade persecutória em relação ao corpo e com o ambiente circundante. Quando o que lhe dão é sofrimento e dor, e não se consegue essa absolvição, a droga pode ser o caminho encontrado para absolver o corpo e assim sentir prazer com ele, ao mesmo tempo cria “o segredo” que falta, pois se trata de um ato e de um prazer que só ele (viciado) sente e que os outros desconhecem. Alias, Winnicott fez ver que a gula, a droga, o furto representam para muitos adolescentes uma cobrança com juros do que lhes é devido, em atenção, valores, prazer.

Essa desagregação que Freire traz no exemplo pela vivência do paciente “Y”, ou que vem estabelecido pelos pacientes relatados em “Drogas. SEM” são frutos de uma sociedade em que as crianças são deixadas na solidão, em que a figura dos pais aparece fragmentada, em que valores não são implantados, e num processo educacional descomprometido com o “EU” e com o social, portanto mais fácil reconhecer a culpa no “outro” e colocar na “droga”, no “traficante”, no “viciado” a culpa pelo caos do que no próprio desvaler social, com isso se combate a ponta visível do Iceberg e esquece-se do resto, quando o dever estatal seria de combater as crises morais e éticas da sociedade, de combater o hedonismo, o individualismo e a cultura do consuma, consuma, consuma, você vale pelo que tem, e não pelo que é o problema está que é justamente essa carga de valores individualistas, consumistas, é que sustentam o modelo social hoje em voga.

Trocando em miúdos, o que queremos dizer em poucas linhas é que o viciado é fruto de uma violência anterior que lhe faz trilhar o caminho da droga. No que se refere à violência dos traficantes, da polícia, etc., essa é uma violência instrumental, o fator determinante não é a droga, mas a procura do espaço de poder, do poder de ter um nicho de mercado e local seguro para a prática de sua atividade, o exercício do poder do Estado para manter o controle sobre todo o seu território.

A venda de drogas é um instrumento, um produto aceito pelo mercado e que dá retorno e assim serve de negócio lucrativo para financiar o projeto de poder de certos grupos, não que almejem mandar na nação, no país, mas poder mandar no “seu pedaço”, manter-se protegido da lei dos “outros” e obter aqueles bens individuais e gozá-los hedonicamente, essa é a questão, a violência, ao contrário do mero instinto de agressividade é instrumento do poder, poder que só se mantém se subjacente a ele houver um acerto social que permita essa manutenção, do contrário, parece claro que na violência contra violência, simplesmente, a do Estado tem mais chance de vencer.

Se o tráfico se manteve por tanto tempo junto aos morros sem contestação, estando o Estado imponente, é porque gozavam os traficantes de um poder que vai além da mera violência, havia ali um acerto social que permitia e permite a manutenção desse poder inconteste do tráfico, seja, por meio de uma rede de benefícios mútuos, em especial a proteção, auxílios, seja por meio de intimidação e outros laços sociais, na verdade a população é tida como vítima, a qual é  conivente com a situação, demonstrando essa conivência pela proteção dada pela lei do silêncio.

Agora, isso, independe da droga ou do tipo da droga, o ato criminoso tem um fim que é a obtenção de lucro, e a máquina criminosa se volta a esse, se o lucro é a droga, é para esse que escorre o investimento, se for o seqüestro, o roubo, a prostituição, então esse será o caminho da máquina criminosa, quando “a virtude” é o “lucro” em uma sociedade, esse é o resultado.

Esse é o entendimento, a droga é mero instrumento de prazer por um lado, de meio para evitar a dor, ou de lucro do outro, sua relação com a violência é meramente acidental.

5 – Crise da ética.

Parece evidente que nada pode ser visto, comparado e analisado senão dentro do quadro em que vive a sociedade, seus valores, éticas, enfim o modo de pensar o mundo, não é diferente com a questão da droga, ela não é uma questão isolada e estanque e faz parte de um quadro maior, aliás isso vimos amiudando ao longo do trabalho.

Desde que Nietzsche proclamou a “Morte de Deus”, do Deus Cristão, da sua moral, niilismo que vem sendo aprofundado ao longo do século XX por diversos filósofos, aliado ao desenvolvimento da Psicanálise por Freud que vai desvendar ao homem a sua psique e a teia de desejos que o movem, a sociedade vem rumando nessa desconstrução de toda uma moral cristã, vem fazendo a passagem que Nietzsche dizia ser necessária do homem para o super-homem, a questão está que destruindo a moral cristã, o que colocamos no lugar?

Vivemos, em verdade, um momento de incertezas, em que a única medida é o lucro, aliás poderíamos dizer que se na moral Renascentista que resgata a tradição greco-romana de que o “Homem é a medida de todas as coisas”, como diria “Protágoras”, na atual fase tomamos o rumo para o “Lucro é a medida de todas as coisas”, você não vale pelo que é, mas pelo quando produz, e pelo que tem acumulado (não é saber, a não ser que esse possa ser vertido em cifrões).

“... Percebe-se uma espécie de doença que se espalhou por toda a sociedade, contaminando as mentes, as intenções, os sentimentos, o comportamento e a educação dos jovens: nada é feito sem um cálculo escrupuloso de vantagens e desvantagens, lucros e recompensas materiais. Cada individuo é valorizado pelo que produz e não pelo que é.” (BITTAR, pág. 101).

O estabelecimento desse patamar de situação, em que tudo é lucro, é individualismo, é o “eu” em primeiro lugar, aonde as éticas se multiplicam para éticas pessoais desconexas, é o cenário próprio de um mundo que tudo relativiza, tudo é experimentável, e não há freios, tudo é negócio, esporte, saúde, educação, religião, cultura, ou seja, tudo que puder se transformar em cifrões. Numa cultura assim tudo é permitido, nada é sacralizado, nada é proibido, nesse caldeirão, volta-se a dizer o “homem” encontra-se perdido, como que na música Ideologia de Cazuza “... Meus heróis
Morreram de overdose, Meus inimigos Estão no poder, Ideologia! Eu quero uma pra viver, O meu prazer Agora é risco de vida, Meu sex and drugs. Não tem nenhum rock 'n' roll Eu vou pagar a conta do analista Pra nunca mais Ter que saber Quem eu sou Ah! saber quem eu sou. Pois aquele garoto Que ia mudar o mundo Mudar o mundo Agora assiste a tudo Em cima do muro Em cima do muro...”

Exatamente esse desvanecer da moral, essa fluidificação dos conceitos e sua relativização, que fazem o mundo chegar ao patamar atual, veja que a música do final da década de 80 é muito atual, e demonstra o desespero de uma mente que não tem no que crer, e que o que resta é o hedonismo, e o prazer do “sex and drugs”, em que só sobra procurar o analista, não para se achar, mas para se perder de vez, tamanho o sofrimento desse mundo, isso é o que Weber vai chamar de “a renúncia mística do mundo” (Weber, [1918] 1992, pág. 152), ou ainda nas palavras de Eduardo Bittar “... o homem moderno vive a dor da diferença da diferença de ser tão sem limites que acaba por viver no nada...” (pág. 103), é um mundo, como nos traz Bittar em que “... Nada é proibido, tudo pode ser experimentado; tudo é válido, não importa o que seja...” (pág. 103).

Bom, mas diante desse estado de caos, o que trilhar, embora aqui não seja o canal apropriado para aprofundar esse debate, já se nota que a própria pós-modernidade começa a dar a sua crítica a esse racionalismo exacerbado, se de um lado Maffesoli afirma que a existência de um “fascínio ambiental” parece fazer ressurgir a magia pagã como que “um mundo reencantado” ( RÜDIGER, 2002, pág. 21), de outro pensadores como Bittar, Erik Jaime, Bobbio, vão valorar os “direitos humanos” como princípios e valores éticos que seguidos possam nos levar a essa nova moral, aos novos valores para um mundo diferente daquele que se tem hoje.

Pessoalmente iria mais além, e a plêiade de éticas práticas surgidas, notadamente, após a 2ª metade do século XX já denota uma reação a esse estado de coisas, pelo que a ecoética, em especial a Bioética, no sentido de uma ética da vida, calcada na dignidade do homem, na preservação da vida humana, de valores que denotam o respeito a toda forma de vida, seja a saída encontrada para combater esse individualismo, esse hedonismo que se esquece do outro e faz com que o homem fique perdido, clamando por uma “ideologia para viver”.


6 – Análise dos dados da pesquisa e levantamento de outros dados paralelos.

Colocamos na introdução do presente ensaio, que o mesmo tinha por origem uma pesquisa feita ainda nesse ano de 2011 para a UMSA, então antes de nos encaminharmos para o debate bioético, para as conclusões e recomendações, achei por bem registrar aqui as impressões que colhi quando das entrevistas, e demonstrar o quanto do que foi dito até agora se encontra confirmado pela pesquisa, além de agregar alguns dados colhidos por outras pesquisas feitas também em Porto Alegre.

É necessário antes de tudo dizer que a percepção do professor Fericgla acerca da grande ignorância sobre o tema se confirmou na presente pesquisa, muitas das questões propostas tiveram respostas ou na base do “desconhecido” ou aquilo que se imagina ou se pensa saber destoam do que realmente é.

6.1              – Análise das Práticas.

Sobre um aspecto geral ambos os grupos referem que o consumo de alimentos com drogas costuma ser concomitante quando essa droga é exclusivamente o álcool, tendo nesse caso consumo com “batatas fritas”, pizzas, hamburgers, como sendo mais comuns, o consumo de maconha não costuma ser concomitante ao de alimentos, mas costuma ser anterior ao consumo de alimentos.

É senso comum de que o consumo de maconha dá o que se chama de “larica”, ou seja, fome, necessidade de comer, sendo então acompanhada pelo seqüente consumo de alimentos.

Esse senso comum guarda relação com o que se conhece dos efeitos da maconha no consumidor da mesma, tanto que essa tem sido usada em alguns países no tratamento de pessoas com AIDS como tópico para que as mesmas consumam mais alimentos e assim combater o efeito indesejado que é a perda de peso por ausência de fome.

Nota-se que a não ser aqueles que já passaram pelo consumo e que conseguem apontar práticas com o uso de alguns apetrechos usados para o próprio consumo de cigarro de palha, como é o caso do “esmorrugador” que é um instrumento para triturar o fumo em rolo, e pode ser usado para triturar pequenos pedaços de maconha, o desconhecimento da técnica predomina.

Quanto à bebida, a questão é mais prosaica, e os instrumentos listados vão de baldinhos com gelo, recipientes térmicos para colocar garrafas de cerveja, copos descartáveis ou próprios para cerveja, conforme o local se é festa ou barzinho e preferência do consumidor.

De outro lado, entende-se que a forma e maneira de se consumir, mesmo o acesso, o uso da bebida (cerveja) e/ou da maconha é totalmente cultural e cíclica, afirmam que em tempo idos, 3 (três) décadas passadas, sim, a bebida era uma coisa que se pegava até de casa, era a primeira busca pela significação dentro da família, principalmente os adolescentes.

Com o passar dos anos e as mudanças na sociedade, advindas de uma maior abertura política, e transformações dos valores morais, hoje é diferente, vêem em nível de prática, que a bebida está banalizada, não é mais encarada com significação anterior, ficou em segundo plano e geralmente se começa direto pelo consumo da droga. A prática vai pelo imaginário, que não se tem um caminho estruturado para se chegar a isso, ao contrário é tudo bem desestruturado.

Quando se fala em lugares, não existe uma precisão, mas no geral o consumo de bebida é feita em bares, e o de maconha em pequenas rodas, pelas ruas, sem maior cerimonial, e nem cuidado, ou seja, o consumo de maconha é um consumo visível, não há mais esconderijos.

Tanto assim o é que foram apontadas praças públicas em que o consumo ocorre abertamente em pequenos grupos, durante o dia, e misturados a população em geral, como é o caso do “Parque Germânia” situado na zona norte do município de Porto Alegre, e vizinho do primeiro Shopping Center da cidade, o Iguatemi, e do Clube de Golfe, localizado em zona nobre, portanto, freqüentado por ricos e pobres que se misturam na paisagem.

Os entrevistados em sua maioria concordam que o consumo da maconha é um ato solidário, feito em grupos, e sem maior ritualística.

O que assusta os entrevistados é o fato de que o consumo de álcool, mais do que o de maconha tem se dado em idades cada vez mais precoces, e se referem de forma especial ao crescente aumento no consumo, não de cerveja entre os menores, mas sim o consumo de destilados, ainda que exista uma legislação repressora na venda de álcool para menores (o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), sempre tem um maior que se encarrega de comprar a bebida, sendo essa consumida misturada com refrigerantes, ou na forma mais usual, pura.

Falam os entrevistados dos pais de hoje que mais do que ausentes seriam permissivos, concordando sempre com os filhos e os protegendo mesmo no erro, ou seja, a ausência total de repressão e de educação.

Aliás sobre o acesso as drogas e a bebida, interessante é esse depoimento pinçado de tantos outros tomados nas entrevistas, em que o entrevistado (adicto), confessa como entrou nesse mundo e sua dificuldade de entender a “gurizada” de hoje, diz ele.

“A gente não entende como o mundo porque ficou virado dessa maneira, venho de uma geração cachaça, briga, mulher e jogo, era o que eles faziam como foi falado de Elis Regina tava esperando pelo meu batismo de cachaça, era amargo, mas tem esse ingrediente para ser aceito, fiquei insistindo e a  partir de um tempo e por outros também fui tomar conhecimento de maconha, até hoje me questiono, foi na minha casa, numa reunião, um sujeito convidou - vamos dar uma banda e depois fiquei pensando de prisioneiro mas qual é dessa cara se hoje eu fosse oferecer alguma coisa pra alguém, nunca eu iria abrir essa porta para alguém, pra ninguém. Ele dizia que era meu amigo. Ficou essa necessidade, despertou algo desconhecido - uma maneira de viver, resolvi meus problemas, pertenço a alguma coisa. Como usar drogas e não sofrer comportamento doentio? Não existe, como tomar um copo e não ficar bêbado e não sentir tudo o que a droga oferece.”
Os entrevistados em geral listam como sensação mais freqüente na hora do consumo a euforia causada pela droga. Seja o álcool, seja a maconha, e, principalmente na sensação de que os problemas acabaram, que nada de ruim existe, e assim se volta a ela para encontrar esse prazer, essa sensação boa, conforme o parecer de um adicto.
“A droga entra exatamente aí a gente vê que na verdade ela traz uma experiência de alguma forma, a sujeira é varrida por debaixo do tapete, a pessoa quer repetir aquela experiência como uma criança, imagino que assim que funciona as pessoas, repetem os comportamentos, a comida te deixa gordo mas a droga te traz uma falência em todos os aspectos, anti social, adoece, não cresce, fica lá com 15 anos, não evolui, porque ela te traz a sensação de que agora “não tenho mais problemas”
É interessante a colocação do termo “euforia”, colocada pelos entrevistados, o que demonstra o acerto de Fericgla ao dizer da falta de conhecimento da droga, porque nem todas tem esse efeito, aliás as drogas classificam-se em psicoanalépticas (estimulantes), piscolépticas (depressoras), psicodislépticas (perturbadoras ou alucinógenas, também chamadas de psicodélicas), portanto nem todas tem o mesmo efeito, nem todas causam euforia, o álcool, por exemplo, é uma droga psicolépticas, pois deprime o sistema nervoso central  assim como tem esse mesmo efeito os ansiolíticos, os barbitúricos, os opiaceos (como a morfina) e os solventes, ao passo que a maconha é um alucinógeno, ou seja, uma droga perturbadora do sistema nervoso central (psicodisléptica), assim como seriam “estimulantes” as metanfetaminas, a cafeína e a cocaína.
6.2              – Da análise dos imaginários.

Existe entre os entrevistados um sentimento geral de que o consumo de maconha é mais barato que o de álcool, sendo que no consumo de álcool pela quantidade que existe no consumo de cerveja o gasto é muito mais elevado, agora a quantificação exata desse custo não foi obtida, e os poucos que disseram algum valor, foram muito discrepantes entre cerveja e maconha, e, entre um entrevistado e outro.

Há uma visão generalizada de que as campanhas anti-drogas são meros gastos, não surtem efeito, e o que surtiria efeito seria um misto de educação com mais repressão.

Os entrevistados fixam seus pontos de vistas sempre nas conseqüências negativas das drogas, associando essas a várias doenças tais como: cardio-respiratórias, câncer, problemas mentais, estados neuróticos, perda de rendimento escolar, pouco desempenho no trabalho, afirmando uma visão preconceituosa da sociedade e da família em que o viciado é visto na maioria das vezes como um pervertido, “cara que se viciou, fez porque quis”, não havendo uma análise mais generosa do usuário.

Os entrevistados se dividem quando falam se a droga legal leva a droga ilegal, uma parte acredita que o uso das drogas lícitas não levam obrigatoriamente ao uso de drogas ilícitas, não existe, assim, um imperativo que diga “isso leva àquilo”, ou seja, pode levar, mas necessariamente não, o outro grupo relata por experiência própria que as pessoas só chegam as drogas ilegais depois de experimentarem as legais.

Interessante o posicionamento do grupo misto (adictos e profissionais da saúde mental) que colocaram que as questões do fumo e da bebida, em termos usado por eles, é “meio chinelagem” e hoje, o “grande barato” é “entrar na onda” e começar direto com as drogas ilegais, ou seja, as essas ganham um “ar chique”, um jeito moderno de se relacionar, fazendo ser esse o consumo da moda na visão dos entrevistados, ou seja, passa do que eles dizem do “consumo da coca com vermute” de três décadas (ou uísque com guaraná na versão da Elis Regina) para o consumo direto da droga ou de destilados sem qualquer veículo que sirva para adoçar o mesmo (coca, guaraná, fanta, etc.)

No ponto de vista dos entrevistados há como que uma frouxidão da repressão em vista do entendimento vigente no país e assegurado na legislação anti-drogas de que o consumidor não deve ser apenado, mas apenas o traficante, o que tem acendido debates sobre o que seria quantidade para consumo próprio ou não, e, se fumar em grupo, constitui crime de tráfico também para este que forneceu o cigarro ao amigo da roda fumar, pois esse estaria, em tese, fornecendo droga, daí que sempre que uma rodinha é abordada, só um admite estar fumando.

Ainda sobre a questão repressão, há uma visão geral de que essa é fraca, e que o usuário deveria ser apenado, salta aos olhos a expressão de um dos adictos em que ele mesmo defende a punição do usuário, dizendo que “...não punem o usuário porque ele apenas consome um farelo, mas para atender a todos que usam um farelinho é preciso alguém que tenha um moinho de farelo...”, dizendo que só existe quem trafica, porque tem quem consome, e que o consumidor é o responsável por alimentar a indústria do tráfico.

Essa colocação demonstra a forte presença na sociedade desta visão punitiva e a necessidade constante de mais repressão, como diria Foucault – Vigiar e Punir.

Aliás sobre isso tive a oportunidade de refletir em minha monografia de conclusão da Especialização de Ciências Penais pela PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) em 1997, dizendo sobre esse clamor de repressão da sociedade o seguinte.
“O que, a um primeiro momento, transparece é que a opinião pública, uma vez indignada só arrefece os seus sentimentos pela vingança, a punição seria o bálsamo para a dor sentida pela sociedade. O que dá azo, por exemplo, a colocação do professor Robert Park  de que “(...) sempre estamos aprovando leis na América. Por que não nos levantamos e dançamos? As leis são, na sua maior parte, para atenuar emoções e as legislaturas estão inteiramente cientes deste fato”. (PARK, apud SYKES, Gresham M., p. 17).” (FELONIUK, Ivan S., pág. 5)
Finalmente, no seio da família os entrevistados acreditam que o viciado pela sua presença, pela sua forma de agir tumultue a vida familiar, e abale o emocional de todos os membros deste núcleo aprofundando ainda mais os traumas que o levaram à droga, aprofundando a desestruturação familiar. Nossa análise permite questionar essa afirmação em partes, visto que o viciado ele em si já é o fruto dessa desestruturação, apenas ele a retro-alimenta e uma vez descoberto o seu vício faz a família descobrir a sua desestruturação já jazia acobertada pela lei do silêncio e do “cada um sofre num canto”, o viciado retira as pessoas da sua posição de inércia, ele desacomoda a família.

6.3. Algumas Reflexões sobre o que foi pesquisado e alguns outros dados.

Se por um lado, as pessoas demonstram um certo desconhecimento com relação as práticas e mesmo em separar os tipos de drogas, e seus efeitos, tem contornos nítidos que as pessoas notam os fenômenos que vem sendo expostos ao longo do trabalho de que o viciado é fruto do descaso, do abandono, da desfragmentação familiar, de pais que já não tem a noção do seu dever no processo educacional e nem sabem o que é educar, aonde por os freios, os limites, não existem.

Se de um lado existe a crítica ao pensamento da modernidade, a um mundo consumista e hedonista, e de outro o alerta da psicanálise de que esse estado de coisas é que tem gerado o consumo de drogas, esse certo caos social, indivíduos que se podem caracterizar como em processo de disnomia, não se pode deixar de anotar que a sociedade tem ciência desses fatos, reconhece esses acontecimentos, mas está perdida, e o que entendem é que deve haver educação com mais repressão, ou seja, é sempre o clamor do vigiar e punir, numa roda que não se esgota e não resolve os problemas.

Em recente artigo Alexandre Marques Cabral, nos traz com propriedade essas conclusões; não precisa ser acadêmico para notar essa crise, as pessoas sentem isso, as pessoas notam a destruição dos valores e a crise, mas não sabem o que colocar no lugar, daí a supervalorização de desejos e anti-valores.

“Não é preciso estar situado no mundo acadêmico para que se compreenda ou apreenda o fenômeno contemporâneo da crise dos paradigmas éticos na e da cultura ocidental.  Todos nós já nos movemos sempre nesta crise.  Por isso, por todo lado, a toda a hora e de múltiplas formas diz-se que vigora, na cultura hoje vigente, uma crise dos valores outrora instituídos como norte do agir humano; vige a cultura da anti – cultura  – isto é, chegamos ao ponto máximo da mentalidade criticista  - iconoclasta”, que a nada se submete e que tudo destrói, demole e abala, sem que nenhum valor novo, nenhuma norma nova nasça como norte para a cultura ocidental; pelo contrário, a nossa cultura é justamente uma anti – cultura, isto é, uma dinamite que deve explodir toda e qualquer possibilidade de organização dos múltiplos setores ou matizes da sociedade – ou até vigora, como valor, o que já fora anti – valor  – por isso, a hipervalorização da atividade sexual humana assume, hoje, o caráter de valor, quando já fora um anti – valor, algo a ser superado ou suprimido, como na moral clássica cristã...” (http://www.achegas.net/numero/dezoito/a_cabral_18.htm)


Deve-se a isso agregar alguns dados significativos sobre o consumo de drogas, e que demonstram, por exemplo, a correta preocupação do grupo com o uso e abuso de álcool entre os adolescentes, veja o caso dessa pesquisa de 2002:


Veja que em 48,3% dos pesquisados entre 12 e 17 anos já consumiram álcool, isso em 2002, e que 5,2% do total já estão em dependência, numero que mais que dobra quando a idade vai dos 18 aos 24 anos, ou seja bem na etapa da vida em que o cérebro está em formação e que os danos do álcool no mesmo são devastadores, sendo esse um indicativo de que estamos criando uma geração de pessoas inabilitadas para a vida sadia em sociedade, e que ali adiante vão apresentar problemas em vários campos da vida, como trabalho, vida pessoal, e aqui estamos falando de uma droga legal.


Da mesma pesquisa, temos os seguintes dados:


Agora se vê, por exemplo, que o vicio em tabaco chega a 9% da sociedade e que maconha é de cerca de 1% sendo quase que a maioria dos viciados compostas de homens.

Uma outra pesquisa feita em Pelotas – RS, pelo Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, nos revela os seguintes dados:


     Tão interessante quanto a pesquisa em si, é análise feita:

“...Quanto à situação conjugal dos pais, aqueles cujos pais haviam se separado referiram um uso superior em mais de 50% em relação aos jovens cujos pais viviam juntos (RP=1,55; IC 95%: 1,26-1,90). Aqueles cujos pais nunca viveram juntos ou que um ou ambos os pais morreram, não apresentaram diferenças em relação àqueles cujos pais viviam juntos. Adolescentes que referiram um relacionamento ruim ou péssimo com o pai ou com a mãe apresentaram consumo de drogas significativamente maior do que os que referiram um relacionamento ótimo ou bom, respectivamente, com o pai (RP=2,04; IC 95%: 1,44-2,88) ou com a mãe (RP=2,77; IC 95%: 1,90-4,03). Da mesma forma, referiram maior uso de drogas os que consideravam o pai liberal (RP=1,34; IC 95%: 1,05-1,70) ou a mãe liberal (RP=1,26; IC 95%: 1,02-1,57) quando comparados, respectivamente, àqueles que consideravam o pai ou a mãe autoritários. No que se refere ao relacionamento entre os pais, relataram maior uso de drogas os estudantes cujos pais tinham um relacionamento regular (RP=1,34; IC 95%: 1,04-1,74) e aqueles cujos pais tinham um relacionamento ruim ou péssimo (RP=1,61; IC 95%: 1,13-2,28), em relação àqueles cujos pais mantinham um ótimo ou bom relacionamento...”(TAVARES, Beatriz Frank “et all”. 2004)

Essa análise vem corroborar o que dissemos até agora em termos de nosso entendimento sobre a sociedade, adolescentes e uso de drogas, visto que fica evidenciado os fatos desagregação e liberalidade na educação como os que levam a drogadição.

Tese feita sobre crianças e adolescentes em situação de rua em Porto Alegre no ano de 2008, afirma que assim “...como ocorre com adolescentes que não estão em situação de rua (Galduróz, Noto, Fonseca e Carlini, 2004), as drogas mais usadas tanto ao longo da vida, como no último ano e no último mês foram as drogas lícitas. No presente estudo, o álcool foi a droga com maior experimentação (uso na vida, Tabela 13), seguido do Tabaco...” (NEIVA-SILVA, Lucas, 2008, pág. 96). O que demonstra a correção por parte dos participantes do sentimento de que o álcool tem sido a droga mais consumida, de forma liberta em todos os níveis, aliás, os dados da amostragem para Porto Alegre não diferem dos dados de amostragem de outros cidades, conforme demonstrado anteriormente pela pesquisa feita para cidade de Pelotas.

7 – A droga, o Estado, e a Bioética.

A Bioética como se sabe assenta-se em quatro princípios básicos qual seja da beneficiência, da não maleficiência, da autonomia e da Justiça vista aqui como equidade. Essa é a questão, como adequar a questão das drogas, ou melhor, o olhar do Estado para este questionamento, levando em conta esses princípios, já que a ética tradicional está em crise, os paradigmas não respondem mais, sobra a nós o socorro à ética prática, à Bioética, e quem sabe aos direitos humanos a resposta a essa questão.

De qualquer sorte, salta aos olhos que hoje, a ação do Estado de modo algum é Bioética, primeiro porque se centra na questão da simples repressão, onde o Estado gasta milhões por ano com resultados, no mínimo, questionáveis para não dizer pífio, é necessário lembrar que o assessor para assuntos anti-droga do Governo Clinton chegou a dizer que mesmo gastando bilhões de dólares anuais e aumentado o gasto de ano para ano, o consumo de drogas continuava a crescer.

Em verdade enquanto o Estado continuar a tratar a questão das drogas de um ponto de vista policial, não irá ver que o problema é mais uma questão de saúde pública. As drogas antes de serem um problema criminal é um problema social que nasce no seio da família enquanto fruto de sua desagregação, a partir daí há uma necessidade de uma substância que substitua os problemas não tratados na fase inicial da infância e da adolescência, e como bálsamo aos problemas criados pela sociedade de consumo, a qual gera um mercado que, como proibido pelas leis, vai se formar a margem do Estado, gestando tudo aquilo que se conhece a cerca do crime organizado. Ou seja, ao combater apenas o aspecto criminal, visível, o Estado cega-se ao iceberg e combate apenas o topo.

Agora, cuidar apenas como questão de saúde pública, ou seja tratar o viciado, pouco muda, pois continua-se a tratar a conseqüência sem entrar na raiz do problema; já se trataria de um avanço, pois não criminalizando o viciado, se afasta um fator criminógeno a gerar mais pessoas excluídas, e se pode ter a chance de recuperar vidas perdidas e devolvê-las sãs a sociedade. Como se vê o debate é maior do que mera descriminalização ou legalização.

Aliás, descriminar sem legalizar é um contra-censo, pois enquanto você diz para um “pode consumir”, você diz para o outro, “não pode vender”. Ora se já há necessidade de consumir e há quem esteja ávido pelo consumo, então há mercado, e onde tem mercado, tem quem queira suprir, e aí não justifica tu liberar uma ponta e restringir outra deixando ser drenado para o ralo milhares de dólares que poderiam ser arrecadados e investidos em saúde e educação.

Fica claro que o agir do Estado não gera beneficiência, em muitos casos gera maleficiência, não respeita a autonomia do individuo, e não se guia por um princípio de justiça.

A questão das drogas nos coloca diante de questões bioéticas fundamentais, a começar pelo princípio da autonomia, ora qual a autonomia de um adolescente para decidir sobre o uso de drogas, qual utilizar e em que quantidade, ademais, que autonomia tem alguém que vai para esse meio para “solucionar seus problemas” que tem desde tenra idade e para os quais não encontra espaço seja em casa, seja na escola, e vê forçado a encontrar a solução em uma substância que lhe dê o prazer que o mundo lhe nega.

De outro lado, no atual estágio como falar em beneficiência e não maleficiência das drogas, só dá para falar em maleficiência, pois se um lado o bem que causa é fantasioso, de outro a verdade é que gera o mal da dependência.

Vejam, as drogas, tiveram em sua história um trato bioético enquanto restritas as suas comunidades de origem, ou no máximo, enquanto explorada a planta da qual é feita a droga de uma forma tão natural quanto a utilização pela comunidade indígena, a cocaína, por exemplo, enquanto folha é usada no alti-plano andino e tem servido as comunidades como substância que evita a fome e dá energia para aguentar horas de trabalho, é um excelente tônico cerebral. Na Europa enquanto na forma de vinho, que inclusive recebeu uma medalha do Papa Leão XIII, era também um excelente tônico, foi a partir da sua sintetização em pó, ou seja na forma pura, a ser aplicada, por exemplo, em pastilhas, que se passou a ter noção do seu poder viciante, e ante ao abuso, a proibição. Não sem antes notar seus excelentes poderes terapêuticas, inclusive em cirurgias de catarata.

Histórias parecidas se darão com o ópio, a maconha, lembrando que a heroína chegou a ser patenteada pela Bayer e era feita base de cocaína, assim como, hoje acontece com as anfetaminas e barbitúricos, que tem uma ação boa para o organismo, mas acaba sendo usados para fins diferentes que não aquele para o qual foram produzidos.

Veja que há pessoas que se viciam em solventes, produto lícito usado para limpeza ou diluição de outros produtos. Recentemente em Porto Alegre, foi apreendido um produto para limpeza de teclado de computador que estava sendo vendido como droga.

O que se quer, então, é que o Estado atue em termos mais amplos, e comece pela estrutura familiar, não é possível que não se encontrem soluções para o desamparo das famílias, e que Estado e a Escola se ausentem do atendimento das famílias e sua desestruturação. De outro não é aceitável que o Estado deixe os dependentes químicos e que necessitam e querem o tratamento, sem opção terapêutica a não ser o de “ONG’s” vinculadas, em especial, à Igrejas das mais variadas matices.

Por exemplo, o Governo Federal prometeu para este ano de 2011 construir 136 centros de tratamento de dependentes de crack, desses apenas 9 foram feitos sob a desculpa de se estar estudando a melhor forma de financiar o aumento de leitos para dependentes químicos (notícia do Correio Brasileiense em 04.09.2011), ora isso é empurrar com a barriga o tratamento em um país com mais de vinte milhões de dependentes de álcool, cerca de 4 milhões de usuários de maconha (pouco mais de 1 milhão de dependentes) e cerca de 400 mil a 2 milhões de dependentes de crack pois essa cifra ainda é imprecisa.

O Sindicato Médico do Estado Do Rio Grande do Sul (SIMERS), conforme notícia do site “RS Virtual”, divulgou os seguintes dados para leitos psiquiátricos:

Em 1992, o Brasil tinha 91.330 leitos psiquiátricos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e, neste ano, o número caiu para 44.473. No Rio Grande do Sul não é diferente. Dos 3.806 disponíveis pelo SUS há 15 anos, em 2007 a queda foi de 31,9%, com apenas 2.592 leitos. E em Porto Alegre, os número são ainda mais assustadores. Neste mesmo período, os leitos psiquiátricos também disponibilizados pelo SUS apresentram uma queda de 62%, passando de 1.835 para 534.


Ora, como conduzir uma política séria de recuperação do dependente químico e da saúde mental da população quando num município de 2 milhões de habitantes como é Porto Alegre, o número de leitos cai para 1/3 em 15 anos. Ainda que se compreenda que foi implementada uma política de desinstitucionalização do paciente, o fato é que o dependente químico que usa esses leitos psiquiátricos em sua fase de desintoxicação vem aumentando em número e necessidade de leitos, logo tal redução da forma brutal como foi feita só pode redundar em sérios prejuízos a saúde da população.

Apenas para repetir os dados aqui passados e comentados, e para demonstrar a gravidade da situação em Porto Alegre, trabalho feito pela ex-procuradora Geral de Justiça do Estado do RS, Simone Mariano da Rocha, em 2002 para a Fundação da Escola do Ministério Público revela, em relação em Porto Alegre:

 “...ser Porto Alegre a capital brasileira com maior consumo de drogas entre os jovens, novo e mais detalhado levantamento publicado em 2002, pela UNESCO, intitulado Droga nas Escolas13, apurou que a capital gaúcha lidera o ranking dos usuários regulares de drogas lícitas – álcool(14,4% dos entrevistados) ou cigarro( 8,4%)- e de ilícitas (6%), sendo dessas a mais usada a maconha com 4,7% dos usuários, seguida por cocaína(1,4%) e inalantes(1,1%).Foram ouvidos em Porto Alegre 3.107 estudantes de vinte e quatro escolas, com faixa etária entre 13 a 24 anos. Um dado geral ainda se mostra preocupante: 23,1% dos alunos disseram que drogas são consumidas no interior das escolas. (DA ROCHA, Simone Mariano, 2002, pág. 20)

Isso demonstra não somente a gravidade, como a falência de qualquer política pública anti-droga, e a própria falência do sistema de educação, na medida em que há consumo dentro das escolas.

A conclusão é evidente para um trato bioético da questão pelo Estado e pela sociedade muitas coisas terão de serem transformadas, não sendo aceitável que perdure o atual estágio, principalmente o estágio de descaso do estado e da sociedade, e o desvalor imperante em que tudo é possível, nada é proibido e o que for proibido que o seja pela repressão.


CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

A nosso ver, o caminho para a solução ideal para o problema passa por uma mudança de paradigmas e a construção de uma nova moral, mas isso não será possível se não forem adotadas medidas como a proposta por Medina como sendo a educação para a saúde, o esclarecimento, a assistência à família, ou seja, com base na rediscussão dos valores trazidos de casa pelo indivíduo, e uma nova postura educacional, preparar o sujeito para resistir ao consumo, sendo ele dono de seu destino e não vítima da busca pelo prazer, um indivíduo assim caracterizado teria as armas que lhe possibilitam a resistência.

De acuerdo a lo descrito anteriormente, en el contexto de lo que significa la estratégia socioeducativa en el problema del consumo de drogas, el marco conceptual que sirve de sustentación para la formación de valores en edades tempranas de la vida de un ser humano, es la educación para la salud, luego la acción educativa (denominada por otros, intervención educativa) y la incorporación de la promoción de la salud como función primordial del maestro en la formación del educando; conformando una tríada; integrada por las categorías estudiadas como factores protectores contra el consumo de drogas, en relación directa con los espacios sociales como la familia, la escuela, grupos de amigos y la colectividad. (MEDINA, Maritza Salazar, pág. 25)

Com essa posição o professor Yaría certamente concorda, pois os seus 10 passos para ajudar o adolescente de 10 a 14 anos a escapar das “drogas” e que consta do seu trabalho “A Existência Tóxica” se resume à palavra “Educação”. Hoje temos uma cultura social que educa para as drogas, é preciso combater isso com uma educação familiar e escolar que esclareça sobre as mesmas.

Mais do que caso de polícia, o combate a drogadição é questão cultural e educacional, é caso de rever paradigmas.

Ora, está cristalino que se vive em uma sociedade que cria dependências, que leva ao consumo de drogas até como realização do seu máximo, consumir.

Nossa sociedade é tipicamente uma sociedade de consumo, ver o outro consumir, ver um grupo consumir, já é um incentivo ao consumo, nesses estado de coisas, a abordagem de Medina que afirma ser o caminho da educação o caminho pela qual a sociedade irá se libertar desse jugo, a combater a cultura da droga, o antídoto é a educação, é o esclarecimento do mundo das drogas (legais ou ilegais) e que seu abuso possa vir a causar, repete-se como sendo o melhor caminho a se seguir.

Medina em seu trabalho que usou uma pessoa (Luiz Carlos) para chegar ao todo, nos dá dimensão exata do que a falta ou deturpação dos “valores” pode causar no ser humano, demonstra ela.
“El informante acepta que sus valores fueron trastocados por factores de riesgo tales como: conflictos familiares, problemas de identidad, rechazo de su padre adoptivo, entre otros. Los valores ideales se atenuaron y dieron paso al inicio de un estilo de vida en el mundo de las drogas. El valor adquiere un sentido subjetivo. Son circunstancias que valen según el momento histórico y la situación física en que surgen; en cambio, en la perspectiva psicológica los valores son de naturaleza subjetiva, valen si el sujeto dice que valen; los valores se pueden comportar como factores protectores y de riesgo según sean las circunstancias de la trayectoria de la vida del sujeto en el submundo de la droga.” (MEDINA, op cit., pág. 20)

A Recomendação que se faz é nesse sentido de que haja investimento em educação e programas sociais de assistência a família, ao amparo as mulheres e crianças em situação e “risco”, mas que os pais, das classes médias e altas, aonde também a questão da drogadição tem chegado sejam informados, educados para terem o conhecimento dos melhores mecanismo para preservar os valores do ser humano e driblarem a ordem consumista que uníssona manda “consumir”.

Educação é a chave, mas não a única. A lei brasileira criminaliza não drogas especificamente, sendo uma lei penal em branco, na verdade criminaliza a comercialização, a posse e a distribuição ou fabricação de drogas de forma ilegal, de modo que mesmo drogas “em tese” legais podem vez por outra a sua posse e distribuição ou comercialização fazer incidir no tipo penal, é o caso da distribuição ilegal de anfetaminas.

Em verdade as drogas são legais ou ilegais de acordo com a forma de venda, distribuição e fabrico estar de acordo ou contra portarias do Ministério da Saúde, o qual alias é competente para dizer o que e como pode ser consumido ou circular no país.

Assim sendo, além de educacional, a questão é de regulamentação, ora, considerando a possibilidade do uso de algumas substancias com fins medicinais e isso fica mais claro no uso da maconha e mesmo da cocaína como anestésicos, além de educar, para o bem da sociedade a sugestão é de seja, como já é feito em outros países, melhor regulamentado o uso, ou seja, uma melhor regulamentação é mais profícua do que a total proibição.

Então aqui o que se recomenda é um misto de educação sobre o uso e suas consequências, uma melhor regulamentação do que pode não ser aceito e de que forma, uma firme investida de recursos financeiros e humanos, de tratamento das famílias em situação de risco, um apoio ao usuário que queira deixar de ser e o que precise deixar de ser quando já não se encontra em situação de decidir por conta própria como investimento em redes de atendimento aos dependentes e seus familiares, mas em especial quando se fala em educação que se marche para o estabelecimento de novos paradigmas e valores culturais que levem em conta os direitos humanos, a natureza do homem e os princípios bioéticos que devem nortear a nossa vida.




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