INTRODUÇÃO
O desflorestamento no Brasil remonta aos primeiros tempos da colonização em que a exploração madeireira foi a primeira. Sem nenhum critério ou pensamento de futuro se devastou, por primeiro, a mata-atlântica, explorando principalmente o “Pau-brasil”, árvore muito usada na Europa para extração de corantes dos quais se faziam as tintas, e outras madeiras nobres.
A derrubada da mata abria clareiras e nessas foi introduzida a criação de gado, que como demonstrou-se rentável acabou por si de incentivar a derrubada de mais áreas de florestas para mais criação, com isso aumentando o desmatamento. Como a mata que havia era muita o colonizador a explorou no imaginário de que seria interminável, dai ter sido feita a exploração sem qualquer manejo ou sustentabilidade, alias palavras modernas e surgidas da necessidade de preservar e evitar a destruição do que nos resta de fauna e flora.
Por essa época a agricultura ainda era coisa de indígenas, e mais adiante de quilombolas e de subsistência, a forma tradicional então de agricultura era a coivara, ou seja abria-se uma clareira na mata, queima-se esse lugar e se plantava por dois ou três anos e depois abandonava-se esse local fazendo nova plantação em outro, no local anterior a natureza se recompunha surgindo as capoeiras que forma natural de recomposição da natureza.
Essa agricultura um tanto primitiva permitia a recomposição e era sustentável, a grande devastação que se segue, primeiro em cima da Mata-atlantica depois pampa, serrado, amazônia se dá com a agricultura moderna, de latifúndios, de monocultura, ou seja o agronegócio.
Primeira com a cana no nordeste, que foi outro ponto de substituição da Mata-atlantica original por cultura alienígena e voltada ao lucro e plantação em larga escala, depois com o açúcar e posteriormente o café em vastas regiões de São Paulo e Rio de Janeiro, aonde se desmata para abrir espaço as plantações de café que vai ser a principal riquesa brasileira e ditar a política nacional até a década de 30, tudo feito com fortes incentivos dos governos brasileiros, sejam na época da colônia, do império ou da República (o Governo de Washington Luiz em 1929 chegou a comprar café para colocar no lugar do carvão nas locomotivas para impedir a quebra total da economia nacional depois do "crasch" da Bolsa de Nova York).
A perda da floresta é irreversível, ao desmatar se perdem mais que as arvores se perde todo uma parte de bioma composto de fauna, flora e micro-organismos que não mais irão se recompor, plantar árvores simplesmente não resolve, pois o plantio de árvores é apenas mais uma plantação, o resto está irremediavelmente perdido, não se tem como recompor, esse é o prejuízo que a chamada agropecuária moderna traz, primeiro com café e cana, e hoje com cana, soja (ambas, inclusive sobre áreas antes plantadas com café), algodão, arroz, criação de gado (extensiva), etc, traz.
Os números são alarmantes, ainda que esteja em declínio o desmatamento, esse declínio é em termos de estabilização do quanto se desmata, ou seja é uma estabilização em termo de “voo de cruzeiro”, não estamos desmatando mais, mas bastante, ou seja de um ano para o outro não se desmata em termos percentuais mais do que nos anos anteriores, mas a perda de áreas continua, assim por exemplo dados do IMAZOM (Instituto do Homem e Meio-Ambiente do Amazonas) de 2010 demonstram que a perda florestas na amazônia em dezembro de 2010 estava 994% maior do que em dezembro de 2009.
Dados do Ministério do Meio-Ambiente mostram que entre 1991 e 2009 a Amazônia perdeu cerca de 14,5% da sua cobertura florestal orignal, ou seja algo em torno de 800 mil km². Mas não ficamos na Amazônia apenas, o Centro-Oeste (serrado) perdeu cerca de 7milhoes de acres de sua cobertura original, o bioma do Pampa perdeu 54% da sua cobertura.
Que futuro teremos, o que ocorrerá amanhã, qual o caminho, esse o debate do presente trabalho.
1 – Conceitos: antes de tudo necessário delimitar alguns conceitos que se irão tratar no presente trabalho, pois são fundamentais ao debate, assim deve-se definir sobre o quê e como se fala, portanto função socioambiental da propriedade privada, socioambientalismo, agronegócio, florestas, agrobiodiversidade, o que se crê sobre esses, o que se pensa, ainda que de forma pontual deve ser delineado.
1.1 – Função socioambiental da propriedade rural. Por longos anos as limitações ao direito de propriedade eram ditadas por aqueles que limitavam essa ao uso nocivo, ou seja, a propriedade não poderia ser usada além do limite de causar prejuízo à terceiro, ideia essa de inspiração liberal posta no Código Napoleônico e que o Brasil seguiu incontinenti; em 1967 a Constituição adotou a função social da propriedade como princípio da ordem econômica.
Mas a mudança radical vem em 1988 com a inscrição da função social da propriedade no capítulo dos direitos fundamentais, e em especial com o artigo 186 da Constituição que descreve a função socioambiental da propriedade rural.
Assim para que a propriedade rural exerça a sua função socioambiental ela deve aproveitar nacionalmente o solo, utilizar a forma adequada os recursos naturais assim como buscar a preservação do mesmo, observar as leis trabalhistas e ter em conta sempre o bem estar dos proprietários e trabalhadores.
O novo Código Civil em seu artigo 1.228 traz para dentro do direito privado o conceito constitucional ao enunciar que o “... direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, à flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.
Ou seja, é cristalino que a propriedade hoje tem uma função vital na sociedade sendo muito mais do que satisfazer o proprietário.
1.2 – Socioambientalismo. Aqui definido como um sistema o qual une o social ao ambiental, ou seja, esse novo sistema constitucional prega que a sociedade seja harmoniosamente gerida pelo critério social e ambiental, onde a propriedade, a ação do homem, a lei, leve em conta o equilíbrio desses dois critérios.
O socioambientalismo brasileiro não emerge do texto constitucional por um capítulo específico e nem por meio de diversos títulos isolados, mas de uma leitura sistêmica da Constituição, aonde nenhum direito é solto um do outro, mas dentro de um critério solidário.
“A orientação socioambiental presente na Constituição não se revela pela leitura fragmentada e comportamentalizada dos dispositivos referentes à cultura, ao meio-ambiente, aos povos indígenas e quilombolas e à função socioambiental da propriedade, e sim por uma leitura sistêmica e integrada do todo: o que alguns chamariam de uma leitura holística”, que não percebe as partes, mas a unidade axiológico-normativa presente no texto constitucional”. (SANTILLI, Juliana, p. 91/92).
Aqui é necessário afirmar como afirma o Dr. Eduardo Pigaretti de que “... este Derecho Ambiental empiece a disolverse en el cuerpo total del Derecho, invada al Derecho Rural, invada aos demás derechos, al Penal.” (p. 78), ou seja, o direito socioambiental tende a ser um sistema a permear não somente toda a Carta Magna estabelecendo uma constituição socioambiental, mas também todo o mundo jurídico.
1.3 – Agronegócio. O conceito de agronegócio é um conceito metajurídico, pois implica não só o conhecimento, mas envolve outras áreas das ciências, sejam jurídicas, econômicas, contábeis.
Para essa definição usamos o conceito que é dado pelo Professor Antonio José de Mattos Neto em sua obra Estado de Direito Agroambiental Brasileiro:
“Assim, o agronegócio pode ser definido como um conjunto de operações de produção, processamento, industrialização, armazenamento, distribuição e comercialização de produtos agropecuários e agroflorestais, incluindo serviços de apoio a atingir a atividade-fim e objetivando suprir o mercado consumidor”. (op. Cit. Págs. 116/117).
1.4 – Florestas. A lei brasileira tem definições de florestas que variam de acordo com o gosto do legislador, assim, por exemplo, a “Lei de Gestão de Florestas Públicas” (n.º 11.284/2006) define essas como sendo “florestas naturais ou plantadas, localizadas nos diferentes biomas brasileiros pertencentes à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, ou, ainda, às entidades da administração indireta”. (artigo 3, inciso I).
Já o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul, no seu artigo 14, inciso XXV, define florestas como sendo “... associação de espécies vegetais arbóreas nos diversos estágios sucessionais, onde coexistem outras espécies da flora e da fauna, que variam em função das condições climáticas e ecológicas”.
O mesmo código supracitado que é exemplo para todo o país, faz, ainda, algumas definições básicas e complementares a esse conceito, e define Mata Atlântica (inciso XXIX..., formações florestais e ecossistemas associados inseridos no domínio Mata Atlântica: Floresta Ombrófila Densa ou Mista, Floresta Estacional Semidecidual, Florestal Decidual, restingas e campos de altitudes), vegetação (inciso LVI..., flora característica de uma região), banhados (inciso XIV..., extensões de terra normalmente saturadas de água onde se desenvolvem fauna e flora típicas), assim como define solo, solo agrícola, recuperação de solo, etc., ou seja, uma legislação conceitual.
Além das definições o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul determina proteção especial a Flora e a Vegetação do Estado, definindo precisamente as áreas chamadas de preservação permanente, tais como as que existem ao longo dos cursos de rios ou de quaisquer outros cursos d'água (mata ciliar), ao derredor de lagoas, lagos e reservatórios (naturais ou artificiais), nascentes, topos de morros, zonas com inclinação superior a 45º, manguezais, restingas, etc., dando ainda proteção ao solo agrícola e a Mata Atlântica, ou seja, somando proteção àquilo que é criado pela natureza e ao espaço criado pelo homem, com isso realizando o sonho socioambiental.
O Código Florestal de 1934 conceitua floresta como sendo toda a vegetação existente e que serve de utilidade a terra (solo) que reveste. Mais que isso, já em 1934 institui a floresta como sendo bem de interesse comum de todos os habitantes, isso é o que se depreende do que está escrito nos artigos 1º e 2º da citada legislação.
O código de 1965 que atualiza o de 34 não muda muita a concepção utilitarista, essa somente irá mudar com a lei 6.938/81 que ao estabelecer a Política Nacional do Meio-Ambiente passa a considerar as florestas como bem comum do povo brasileiro (direito difuso) e não mais interesse no sentido da utilidade, ou seja, a floresta passa a ter valor “intrínseco”, o que vem a ser reforçado pela Constituição de 1988 e com o novo Código Civil Brasileiro de 2002 a qual avança ainda estabelecendo a transgeracionalidade dos direitos ao meio-ambiente.
1.5 – Agrobiodiversidade. Esse é um dos elementos da biodiversidade, da qual o Brasil é o líder mundial e concentra, só de plantas e sementes, cerca de 22% de toda biodiversidade mundial entre as que já foram catalogadas (isso dá ao Brasil cerca de 55.000 espécies), em termos farmacológicas dados apontam que até hoje apenas 5% de toda a flora mundial teve estudado seus efeitos medicinais, estimativas apontam para um mercado mundial da biodiversidade em torno de 470 a 780 milhões bilhões de dólares por ano.
No setor da alimentação, por exemplo, sabe-se que das 250 mil espécies conhecidas pelo homem, 30 mil são comestíveis, dessas 7.000 foram ou tem sido utilizadas pelo homem para fins alimentícios, mas que na atualidade apenas trinta culturas tem sido efetivamente utilizadas. Ou seja, existe um potencial imenso de exploração da biodiversidade no setor primário (agricultura) e esse não pode ser desprezado, daí a preocupação crescente com a preservação da biodiversidade.
A crítica que aqui cabe fazer é que no geral as políticas públicas de defesa da biodiversidade tem se centrado na preservação da biodiversidade espontânea em detrimento daquela verificada em ecossistemas cultivados, desprezando-se o manejo feito pelos agricultores nacionais.
2 – Critica ao Modelo da Agropecuária Moderna.
No Congresso Internacional de Direito Rural e Direito Ambiental “Dr. Guillermo Garbarini Islas” realizada em 1994 pela UMSA (Universidad de Museo Social Argentino), o Professor Ramon Ojeda Mestre, em critica ao modelo de produção rural que ainda hoje se usa tanto na Argentina como aqui no Brasil afirma:
“Esta irracionalidad ecológica em el sector primario nos há llevado a una crisis cuyos principales factores que se destacan como causantes son los siguientes: 1. Una aparente tendencia a impulsar e implementar unos cuantos modelos productivos sin considerar las diferencias, particularidades y limitaciones ecogeográficas de cada espacio; 2. Una marcada tendencia a reproducir ciertos modelos importados sin adecuarlos, recrearlos o transformalos de acuerdos a las realidades próprias de los países; 3. Una tendencia, casi obsesiva a especializar todas las esferas de la producición y, como consecuencia, la producción misma y los espacios (regiones, localodades, parcelas) que utikliza; 4. Intimamente ligado a lo anterior un marcado sesgo hacia la concentración de la produeción rural; 5. Una política dirigida a favorecer com apoyo técnico y crediticio a los productores, localidades e regiones capaces de implementar com éxito los modelos primitivos predominantes y un insuficiente apoyo a todos aquellos productores que por razoanes de carácter ecogeográfico o cultural se ven impedidos a implementar tales modelos; 6. Una tendencia cada vez más obvia a favorecer el uso animal de productos vegetales básicos (como cereales y oleoaginosas) y sus correspondientes espacios de cultivo, menoscabando el uso humano directo que és mucho más eficiente; 7. Una actitud que ignora los sistemas productivos tradicionales – fundamentalmente los agrícolas – que aún persisten y dominan em los países, principalmente em las áreas campesinas temporaleras y que encierran todo un caudal de experiencias y estrategias de gran importância; 8. Una falta de preocupación por detener o aminorar la grave destrucción de recursos que la producción rural conlleva (tales como pérdida de suelos, cubiertas forestales, mantos freáticos, cuerpos de agua, recursos maderables, especies vegetales y animales y espacio), o por restaurar lo deteriorado según há explicado Víctor M. Toledo (20).” (MESTRE, Ramon Ojeda, pág. 95)
A afirmação é irretorquível, as monoculturas tem feito exatamente isso concentrado terra, e aumentado a devastação, cada dia se avança floresta adentro , primeira para dar lucro a indústria madeireira, e na seqüencia para ganhar áreas para cultivo de soja, algodão e outras culturas.
“Segundo dados da FAO anunciados em março de 2010, o Brasil reduziu a área líquida desmatada em 20 anos, mas continua líder no ranking, seguido por Indonésia e Austrália. Cerca de 4 milhões de hectares são perdidos anualmente na América do Sul.[1] [2]
Há três importantes fatores responsáveis pela desflorestamento no Brasil: as madeireiras, a pecuária e o cultivo da soja. Como boa parte opera ilegalmente, principalmente na Amazônia, os estragos na floresta são cada vez maiores. No Brasil, os estados mais atingidos pela desflorestamento são Pará e Mato Grosso. Este último é o campeão em área desmatada, apesar de ter havido uma redução nos últimos anos.
A média de madeira movimentada na Amazônia - de acordo com um relatório divulgado pelo Governo Federal em agosto de 2006 - é de aproximadamente 40 milhões de m³, incluindo madeira serrada, carvão e lenha. Desse total, apenas 9 milhões de m³ vieram de manejo florestal (previamente autorizado).” (Wikipedia)
Se ignora os riscos, tanto pelo fato de que a monocultura elimina os inimigos naturais de algumas pragas fazendo com que a agricultura seja cada vez mais dependente de veneno, envenenando assim a terra e os mananciais, como se ignora, muitas vezes os riscos de outras atividades como da foto acima, que se trata da extração de saibro deixando a nu toda uma encosta, o que não só destrói o ecossistema, como da forma como foi feita mostra o perigo a própria vida humana deixando área livre para deslizamento de terras.
A desflorestação implica, ainda, grave ameaça de dano irreparável a biodiversidade sendo hoje a principal causa de desparecimento de espécimes da fauna e flora, não se podendo ignorar esse efeitos devastadores.
3 – Novo Código Florestal – ameaça as florestas e a biodiversidade.
A grande questão que toca é que a exploração agropecuária, agroflorestal não pode mais ser feita da forma insustentável como é hoje, quer por representar uma ameaça a manutenção da sua própria atividade como da vida humana na terra, além do que essas formas retrogradas de produção rural atentam contra a própria constituição brasileira, o que causa espécie é que esses setores não se dão conta disso e insistem nesses absurdos, veja que está no congresso, e já aprovado na câmara dos deputados, projeto de lei pode aumentar em até 150% o desmatamento, feito sob encomenda da UDR (União Democrática Ruralista).
O que vemos no Novo Código Florestal, na forma como aprovado pela Câmara dos Deputados é algo anacrônico e que atenta contra a Constituição da República.
Digo isso porque a carta nesse estado socioambiental prevê que o desenvolvimento deve ser sustentável de modo a permitir a utilização dos recursos e o seu não esgotamento, pois o direito ao meio-ambiente é transgeracional, ou seja, é desta e das “gerações futuras”, ou como diria Saint-Exupery “não somos os herdeiros de nossos pais, mas os devedores de nossas crianças”.
O artigo 186 da Constituição da República, conforme já citado, refere que a função socioambiental deve atender ao aproveitamento racional e adequado da terra, utilização dos vetores naturais de forma a pugnar pela sua preservação.
O fato de se dizer que o meio-ambiente é direito das presentes gerações e das gerações futuras significa que deve haver meios que garantam por tempo indeterminado a quantidade de recursos naturais necessários para obtenção de direitos econômicos, sociais e culturais assim como da diversidade biológica.
Essa manutenção mais do que a proteção natural visa em especial a própria preservação do homem e sua qualidade de vida, assim entendido o princípio todos os setores sociais e produtivos devem se adequar a ele, ou seja, o “agronegócio” como setor econômico e vital que é, tem de se enquadrar dentro desse princípio, deve ser uma atividade sustentável e não de rapina como foi até que o Estado começasse a impor leis limitando o direito de explorar a natureza.
Veja que o princípio é bom para o próprio agronegócio, pois ao determinar a preservação da biodiversidade, implica que seja preservada a agrobiodiversidade, sejam resguardados elementos da flora que possam contribuir para a manutenção do germoplasma vital para manter viva muitas culturas agrícolas e modos de produção tradicionais no que futuro possam vir a ser exploradas para o fim de negócios no setor da biodiversidade, do qual se espera rendimentos e negócios na casa dos bilhões de dólares.
Diante disso importa que se tenha cautela, em todas as questões, e aqui notadamente quando se fala em florestas, em preservação de mata ciliar, topo de morros, encostas, que se aja com “precaução”, afinal são ecossistemas delicados.
O Tratado resultante da Rio 92, recepcionado pela nossa Carta Magna como direito fundamental constitucional, refere no item nº 15 o princípio da precaução, conceituando o mesmo da seguinte forma:
“Com o fim de proteger o meio-ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta, não será utilizada como razão para o adiamento das medidas econômicas viáveis para prevenir a degradação ambiental”.
Ou seja, a dúvida sobre a segurança do projeto econômico, social, é suficiente para que tome medidas restritivas.
O Estado tem agido, historicamente, quando a água já bate no teto, é o caso dos Códigos Florestais, o que levou o Estado brasileiro ao Código Florestal de 1934 foi à necessidade de evitar que a Mata Atlântica e as Florestas de Araucárias da Região Sul desaparecessem.
Quando as queimadas na Amazônica tomaram proporções assustadoras o Estado novamente interveio endurecendo a legislação e a fiscalização.
Agora o que se deseja, mais do que evitar a aceleração do desmatamento e destruição da flora e da biodiversidade da Amazônia, é preservar o resto da biodiversidade da Mata Atlântica naquelas regiões que estão fora de parques florestais (Unidades de Conservação), as quais ficam em áreas privadas, assim como barrar o assoreamento dos rios, canais, arroios, lagoas, e quem sabe revegetar esses locais recompondo a mata.
No entanto o que se viu no congresso foi uma mobilização no sentido contrário, ou seja, de aprofundar o desequilíbrio ecológico e a manutenção de privilégios exploratórios, quando não sua ampliação, forçando mecanismos como “áreas consolidadas”, “moratórias”, “anulação de multas”, “isenções”, assim como a conspurcação de competências federais passando a mesma para os Estados.
Essa reação dos setores conservadores do agronegócio representa um retrocesso na legislação ambiental que, de novo, fere outro princípio claro é o que da proibição de retrocesso.
As questões polêmicas que suscitam esse debate e que gravamos aqui como inconstitucionais são:
a) “Área Rural Consolidada”.
b) Ampliação do conceito de pequena propriedade rural.
c) Modificação de parâmetros para cálculo das áreas de preservação permanente (APP) que estão irregulares.
d) Redução da faixa de proteção das margens dos rios.
e) As áreas de proteção das várzeas deixam de ser áreas de preservação permanente.
f) Eliminação da obrigação de recuperar reserva legal para propriedades de até 4 módulos fiscais.
g) Desconto da área de até 4 módulos fiscais na preservação de Reserva Legal.
h) Computo da APP no cálculo da reserva legal.
i) anistia de 5 anos para os desmatadores ilegais.
Todas essas medidas atentam contra a constituição porque torna a agricultura uma prática insustentável e atentatória ao meio-ambiente.
Quando a lei estatui “área rural consolidada” até julho de 2008, está dizendo: todo o desmatamento e queimada ilegal feita contra as determinações do Código Florestal ainda vigente, contra a Lei de Política Nacional de Meio-Ambiente, foi legal. Que essas pessoas tem um direito especial que ninguém tem “um direito adquirido a desmatar, poluir, a destruir a natureza” e o que fizeram está certo e ninguém pode mudar, ora isso é a antítese do princípio da legalidade, o qual está consagrado no artigo 5º da Constituição Federal e diz que ninguém pode fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei. Além disso, fere o princípio da igualdade perante a lei, pois os desmatadores são considerados mais do que os cidadãos comuns, afinal a eles é dado o direito de ferir a lei e isso ser considerado situação imutável, pois consolidada.
Aqui se concorda com a crítica feita por João Paulo Capobianco no Jornal Le Monde Diplomatique Brasil, em que a pág. 9 (edição e maio de 2011), afirma que esse dispositivo cria “... uma espécie de direito adquirido para quem desrespeitou a legislação ambiental”.
Para definir pequena propriedade rural foi utilizado o critério de “módulo fiscal”, esse critério somente define quantidade de terras para efeito de tributação, e varia de 4 hectares a 400 hectares conforme a região do país.
Ora, em qualquer parte do país ter 400 hectares não é ser pequeno proprietário, mesmo, e principalmente na Amazônia, isso vai permitir que ricos e poderosos latifundiários tenham benefícios que são dados aquela pessoa com pouca terra, geralmente para subsistência e que trabalha a terra com a família, isso subserve o sistema e traz descontrole, alias pelos critérios adotados, como desconto da parcela até 04 (quatro) módulos fiscais, isenções, desconto da APP do cálculo da reserva legal, esse item “Reserva Legal”, vai virar letra morta, ou seja, vai deixar de existir, e nos contentemos com a APP (aonde ela sobreviver).
A Redução de 30 para 15 metros na APP da margem dos rios, agregada com o desaparecimento da proteção as áreas de várzea, vai reduzir em muito as áreas de preservação permanente e com isso prejudicar a proteção dos rios, podendo agravar a assoreamento. Só a decisão de eliminar a proteção dada ao “Igapó” que são as áreas de várzea quase que permanentemente alagadas, já vai causar um desequilíbrio no ecossistema protetivo, fazendo com as áreas de inundação natural sejam degradadas e contaminadas pelo uso de pesticidas e adubos, sim, porque reduzindo a área de mata ciliar e a proteção do igapó, isso quer dizer que será permitido o plantio nessas várzeas com todos os riscos inerentes a essa atividade.
Ora, isso é riscar da lei o princípio da precaução, é ignorar o direito das gerações futuras e é, especialmente, esquecer que a propriedade rural tem função socioambiental, aqui, da forma como delineado no projeto, resta só a função econômica de suprir a ganância explorativa de uma meia-dúzia em detrimento de uma nação.
Por fim, esses que descumpriram todas as leis citadas, mas que ainda restem com deveres de reconstituir APP e reserva legal e que tenham multas a pagar, ainda foram agraciados com mais 5 anos de moratória, nada precisando fazer até o Estado elaborar um plano de recuperação. E se o “Estado” nada fizer, afinal sabemos que existem itens na Constituição Federal que nunca foram regulamentados, e olha que a constituição já tem 23 anos, ou seja, é a consolidação legal da impunidade.
CONCLUSÃO
O risco da erosão dos genomas da agrobiodiversidade em função das diversas monoculturas existentes ele é visível, se tem noção do que a monocultura causa, afinal das cercas de 30.000 espécies comestíveis conhecidas o homem atualmente usa a variação mais comum de cerca de 30 espécias, sendo que em termos de cereais o mais comuns são arroz, soja e trigo, alias uma passeada pelas gôndulas de supermercados demonstrará que a maioria dos alimentos é feita a base dessas três sementes.
A monocultura dessas três sementes tem contribuído em virtude de sua massificação e competitividade, para erosão do próprio germoplasma dessas culturas, fazendo desaparecer culturas mais tradicionais, e muitas mais nutritivas em detrimento de critérios como produtividade.
Não é atua que os grandes adversários de um código socioambiental e que seja movido pela preservação é justamente dos setores de plantadores de soja, arroz e trigo, mais especificamente soja e arroz, pois são o cereais que puxam a economia exportadora do Brasil, também a criação de gado em sua forma mais atrasada (a extensiva) tem sido adversário, pois é da derrubada de matas para plantação de pastagens, de soja e de arroz que tem vivido o agronegócio brasileiro.
Ora, o novo Código Florestal, como está, aumenta esse risco de erosão da agrobiodiversidade, ao por dar aos monocultores mais áreas para suas práticas agrícolas insustentáveis, ou seja, a lei faz tabua razão do artigo 186 da Constituição Federal, do artigo 5º da Constituição Federal, do artigo 1.228 do Código Civil de 2002, e de toda a legislação vigente a fim de atender ao poder econômico de elites agrícolas atrasadas tanto tecnicamente como culturalmente.
É preciso que se invista em educação ambiental, é preciso que o governo e os nossos representantes se deem conta do que está acontecendo e do absurdo de manutenção de um modelo de produção rural que não leva em conta os interesses das gerações futuras e da sobrevivência do próprio agronegócio, afinal como disse o mestre Francisco Gileta em sua manifestação no Congresso Guillermo Garbarini Islas, nos temos três atitudes frente a natureza ou a “degradamos, incendiando, mantando animais, envenenando o ar e os solo ou a respeitamos (recordando a frase de Shakespeare “o respeito é o que rege o mundo”), porque não se não respeitarmos ela, ela se fará respeitar, ou amamos a natureza e seguimos os ensinamentos de São Francisco de Assis que nos falava do irmão sol e da irmã lua.
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